sábado, 11 de dezembro de 2010

Meu aniversário

Mais um ano se passou... E como têm passado rápido os anos! Completo hoje 36 anos, com saúde, amor, alguma grana pra satisfazer pequenos desejos e rodeado de pessoas que amo. Que mais eu poderia desejar de bom nessa vida?

Estou feliz!

Logo estarei de férias do trabalho. Aí prometo me dedicar mais ao blog.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

De volta ao trabalho (e ao blog)

Finalmente, sinto restabelecer-se a minha plena saúde.
Tanto que resolvi voltar ao trabalho.

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Ontem, ainda convalescente, concluí a leitura saborosíssima de "Nosso Lar". Depois de ter me sensibilizado tanto com o filme, não pude deixar de me debruçar sobre a obra de André Luiz, chegada até nós pelas mãos do grande Chico Xavier.
Sem dúvida que o livro é ainda mais atraente, mais esclarecedor e alentador. A transformação moral lenta e laboriosa por que passa o espírito do médico após seu desencarne é sem dúvida um roteiro iluminador para nós, que inda militamos nas fileiras da terra em busca de evolução e aprimoramento.
Após o filme, assim como eu, inúmeras pessoas ficaram com suas mentes focadas na experiência dolorosa do Umbral, chocadras com a destinação - provisória - do médico letrado e culto, bem situado socialmente, após a decadência do envoltório físico.
Entretanto, a lição fundamental da obra é evidenciar a possibilidade da transformação, por meio de árduo trabalho no bem e perseverante mudança de conceitos. André Luiz vai se despindo, pouco a pouco, de suas convicções egoístas, deixando para trás pensamentos de um homem devotado às coisas materiais e provisórias. Abrindo sua mente à verdade e seu coração à caridade verdadeira, encontra um roteiro seguro de evolução para si e o estende aos seus amados.

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Depois de um bom tempo tentando entender essa ferramenta chamada Twitter, finalmente eu resolvi criar lá o meu perfil.
Claro que continuo sem entender quase nada. kkkkk
Mas, estou lá! Agora vou aprender na prática.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Cronologia de uma enfermidade

Na sexta-feira pela manhã, ao começar o expediente no escritório, percebi que havia algo de errado comigo. Uma dor de cabeça chatinha começava a incomodar e dores musculares pipocavam pelo corpo todo. Além disso, tinha início um desânimo fora do comum pra quem havia tido uma excelente noite de sono. Comecei a bocejar repetidamente.
Saquei da gaveta de minha mesa a cartela de dipirona que sempre me salva nessas horas. Tenho absoluta confiança na eficácia da dipirona, ela tem sido minha salvaguarda quando a dor de cabeça começa a perturbar meu dia de trabalho ou mesmo quando ameaça meu lazer.
Só que, desta vez, nada.
O quadro geral piorava e eu trabalhava só pensando no franguinho caipira com arroz, combinado com os companheiros do truco para a sexta a noite. Combinado com uma semana de antecedência, diga-se de passagem. Eu só conseguia pensar no seguinte: "aconteça o que acontecer, vou jogar meu truquinho com os amigos e comer o franguinho preparado pela tia Almeirinda".
No fim da tarde, ao chegar do trabalho, mais dipirona, dessa vez em gotas. Um pouco aliviado, parti para meu compromisso tão esperado.
Foi divertido. Jogamos até por volta das 21:30, quando o jantar foi servido. A Rita e o Rafael jantaram conosco.
O jantar estava maravilhoso, mas logo que voltamos para a mesa de truco, percebi que os sintomas do dia todo voltavam com força, acompanhados de febre. Também notei que a digestão seria meio complicada.
"Dane-se!", pensei. "Vou pra casa, tomo mais umas gotas de dipirona, deito-me e amanhecerei novinho em folha".
Minha irmã estava chegando de viagem pra passar o feriado conosco e nada haveria de estragar a reunião em família.
Ledo engano.
Passei o sábado "de arrasto", como se costuma dizer. Um Dorflex aqui, uma dipirona ali... tentando ser forte. Mas as dores eram horríveis. A febre surgia de repente, assustadora. Durante o tradicional truco do sábado à tarde, na casa de meus pais, foi difícil manter-me aplicado ao jogo. Um desânimo descabido assolava-me, a dor no corpo todo minava-me as forças e a cabeça doía inexoravelmente, ignorando o poder soberano da dipirona.
O último compromisso da noite seria um churrasquinho em Ribeirão Corrente, cidade vizinha onde mora meu irmão. Lá cheguei por volta das vinte e duas horas, um tanto aliviado por uma dose mais exagerada de remédio.
Comemos alguma coisinha, nada de cerveja. Logo retornamos a Franca.
No domingo tentei ignorar o mal estar. A Rita e eu nos levantamos tarde, buscamos o Rafa, que havia dormido na casa da avó, e fomos passear um pouco. Almoçamos no shopping e, de volta pra casa, mais remédio pra contornar a dor.
Amanheci a segunda-feira já pensando no retorno ao escritório, na terça. Eu completaria um ano de trabalho lá. Gosto dessas datas, acho-as significativas. Fomos almoçar na casa dos meus pais, e nos despedir da Jú, que voltaria pra Brasilia logo após o almoço.
Antes de sair, minha irmã me disse a mesma coisa que a Rita já vinha dizendo: "Vai ao plantão do hospital, afinal você paga plano de saúde. Não tem sentido ficar sofrendo sem saber o que tem!".
Convencido, me dirigi ao Hospital Regional. Estava péssimo. A cabeça doía demais, o corpo só pedia repouso e a febre oscilava.
O médico que me atendeu pediu que eu coletasse urina e sangue pra exames. Duas horas depois, o Dr. Rubens Pereira dos Santos, infectologista e clínico geral, com o resultado de meus exames em mãos, deu-me a notícia: "O quadro é de dengue. As alterações nos exames e o conjunto dos sintomas são característicos da doença."
Recomendou-me repouso e prescreveu remédios que aliviem os sintomas.
Resultado, comemorei em casa meu aniversário de um ano como funcionário do escritório. E agora estou aqui, arrastando chinelo dentro de casa, esperando esse maldito vírus sair de minha vida.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O Espiritismo e o Demônio

Anteontem, minha mãe veio me narrar uma conversa que teve com uma amiga. O tema, religião. Numa curta definição, a sua interlocutora, católica fervorosíssima, conceituou: “Espiritismo é coisa do demônio!”.

Sabedora de meu extremo interesse por assuntos religiosos, narrou-me todo o diálogo que travou com a inquisidora de Kardec com o habitual interesse de captar cada mínima reação minha. Afinal, não é qualquer mãe que tem o privilégio de ter em casa um ex-frade franciscano, antes candidato à carreira eclesiástica agora convertido em kardecista convicto e atuante.

Diga-se de passagem, que é uma praxe nos ambientes onde convivo. Sempre que surge o tema religioso, seja para elogiar ou depreciar esta ou aquela seita ou doutrina, imediatamente os olhos em derredor se voltam para mim, buscando-me como uma referência de conceito. Devo confessar que isso me afaga um pouco o ego, fazendo-me sentir uma espécie de formador de opinião.

Diante da narrativa de minha mãe, calei-me, contido. Para seu descontentamento, infelizmente. Afinal, as pessoas sempre esperam ver um homem reagir revoltado quando se ataca veementemente a sua crença. Minha velha mãezinha não foge à regra.

Hoje, três dias depois de ela ter me contado o episódio, depois de ter refletido um pouco, achei interessante postar um texto a respeito.

Lembro-me, agora, de um outro comentário, também de uma amiga da mamãe – esta, Testemunha de Jeová -, dentro de nossa casa. Ela teria dito, segundo a narrativa da mamãe: “Espírita não serve pra conviver comigo!”. A memória de minha reação interior de então, me faz crer que evoluí no sentido de ouvir disparates. Naquela circunstância, assim que minha mãe contou-me o fato, minha primeira reação, silenciosa foi a de pensar: “Pena eu não estar por perto pra dizer: ‘Ora, Dona Inácia, como a senhora sabe, sou espírita. E de modo algum quero que se sinta obrigada ao desprazer de suportar a minha presença tão indesejável. De modo que, como eu moro aqui, seria justo que a senhora saísse. Afinal, como diz o velho ditado, a porta da rua é serventia da casa’.” Claro que esse pensamento foi um relâmpago na minha mente, pois a educação que meus pais me deram e o respeito que nutro pelos mais velhos e pelos que têm outra crença jamais me permitiria tal ousadia.

Voltemos à frase do início do texto: “Espiritismo é coisa do demônio!”. Considero essa uma frase clássica, hoje em dia. Sim, é um dos chavões mais usados para conceituar a doutrina dos espíritos, codificada por Hippolyte Léon Denizard Rivail, o nosso Allan Kardec.

Há tanto o que se comentar a respeito disso, que perco-me na organização da argumentação. Apenas vou começar explicando porque não retruquei nem revoltei-me. Simples: essa frase clássica de atribuir às artimanhas do “tinhoso” toda a doutrina dos espíritos, e toda a obra de amor e caridade que delas têm brotado desde 1857, normalmente sai da boca dos ignorantes. E não estou usando a palavra “ignorantes” na conotação vulgar que se usa por aí, querendo desclassificar pejorativamente o indivíduo.

Quando digo que esse conceito é típico dos ignorantes, estou me referindo àqueles que falam sem conhecimento de causa, que de fato ignoram o que estão julgando, por jamais terem lido uma linha sequer das obras da codificação ou que nunca botaram os pés numa casa espírita para testemunhar a imensa obra de amor evangélico que move a engrenagem espiritista. A mesma ignorância de que poderiam me acusar se eu fosse aqui falar contra os transgênicos ou as pesquisas com células-tronco, sem jamais ter me aprofundado sobre qualquer um desses assuntos. Pelo menos não mais que a leitura de alguns artigos de revistas e jornais ou algum conteúdo de internet.

Falar sem conhecimento absoluto de causa, por si só já desclassifica a opinião. Não dá margem nem ao debate.

Claro que também temos oportunidade de discutir seriamente a doutrina com pessoas que buscaram conhecê-la, pesquisaram-na e a mesmo assim não a reconhecem como legítima. Esse tipo de debate é muito interessante e enriquecedor, porque nos inquieta e nos desafia. E sobretudo nos faz ter a humildade de saber que nem todos pensam como nós e nem por isso são condenáveis. Apenas enxergam a vida sob um prisma diferente e para elas não se aplica como verdade aquilo que para nós é razoável.

Ainda voltando ao argumento da amiga da minha mãe, creio que valha a pena explorar um pouco o tema.

Existem construções filosóficas e teológicas bastante extensas e complexas acerca do demônio, diabo, capeta, satã ou como queiram denominá-lo. Há inclusive, doutrinas divergentes sobre a figura satânica que aterroriza o mundo e rivaliza com Deus desde os primórdios. Não vou explorá-las aqui, tampouco discorrer longamente sobre cada uma delas, posto que isso não é um tratado, mas um artigo para reflexão menos elaborado.

Parece-me que a doutrina mais defendida entre as doutrinas cristãs – inclusive a Igreja Católica – é aquela segundo a qual o demônio teria sido criado por Deus na condição de um anjo.

Aqui cabe um parênteses para dizer que, para a Igreja, os anjos são seres criados à parte, nem deuses nem humanos, que intermediam as relações entre a divindade e a humanidade.

Segundo a doutrina vulgarmente conhecida como a “doutrina do anjo decaído”, não obstante Lúcifer gozasse de uma proximidade extraordinária com Deus, em determinado momento teria se rebelado contra Ele, por inveja, e se transformado numa criatura para sempre devotada ao mal. Um ser que vive peremptoriamente uma queda de braço com Deus. Nessa luta, o troféu é a alma do homem. Ou seja, as almas dos homens desde o início da existência da humanidade, onde estava satã na figura da serpente, prontinho para seduzir imediatamente o primeiro casal humano a habitar a Terra.

Concebe-se então que o demônio tenha um território circunscrito, a que as religiões denominam inferno, para onde ele arrasta - depois da morte - as almas dos homens e mulheres que seduziu em vida. Nesse lugar esses humanos vão sofrer suplícios eternamente, como forma de punição pelos pecados que tenham cometido na Terra. A definição desses suplícios tem sido objeto da especulação humana desde muitos séculos atrás. Imagina-se mil formas e ferramentas sem fim que o capeta use para torturar as almas pecadoras. Há inclusive extenso anedotário a respeito. A mais comum e que se leva mais a sério, parece ser a idéia de um caldeirão de água – ou algum outro líquido – fervente, onde o príncipe das trevas fica cozinhando suas vítimas.

É óbvio que, dada a negativa da Igreja em reconhecer a reencarnação, o volume de almas que Deus cria incessantemente é gigantesco. Ou seja, supondo mesmo que uma parte pequena dessas almas acabe no inferno após a morte física, há que se contar com muitos caldeirões e uma quantidade razoável de demônios para ficar eternamente dedicada ao serviço de cozinhar essas almas. Também para isso a Igreja tem sua teoria: diz que Lúcifer não se retirou sozinho da presença de Deus, quando foi fundar o inferno, mas que teria levado uma horda substancialmente numerosa consigo. São seus asseclas. Impressiona é que, tendo se revoltado contra a Suma Bondade de Deus, esses demônios não tenham jamais se revoltado contra o seu líder em momento algum. Ou seja, revoltaram-se contra o banquete dos céus, mas aceitam as condições horrendas do inferno sem murmurar contra um líder perverso que os obriga ao trabalho sujo por toda a eternidade.

Essa definição do demônio provoca algumas reflexões:

A primeira delas diz respeito o retrocesso de um ser. Admitirmos que alguém que goza do mais alto escalão na hierarquia dos seres, alguém que atinge a ventura máxima de conviver face a face com o Criador possa sentir-se tentado a retroceder e abraçar o mal de modo tão definitivo é aterrador. Se um anjo não conseguiu viver sem cogitar o mal tendo sido criado como anjo e estando convivendo com Deus, quais são as esperanças de almas tão falhas quanto as nossas que sequer temos a investidura de anjos? Poderemos ainda ter a ilusão de que conseguiremos viver com Deus por toda a eternidade, se a cada milésimo de segundo uma idéia minimamente impura nos irrompe o pensamento e nos tira do prumo?

Lembro-me aqui de algumas das figuras mais ilustres da própria Igreja, que nos servem de modelos, elevados à categoria de Santos pelos imensos esforços de caridade a que se entregaram, pelas mortificações a que muitos deles se submeteram. Em muitas dessas biografias constam relatos de terríveis crises de fé, de árduas lutas para se manterem fiéis à inspiração divina.

Francisco de Assis, um dos maiores ícones da religiosidade da Igreja, já no leito de morte, disse aos seus seguidores: irmãos, é preciso começarmos, porque até agora pouco ou nada fizemos.

Se um anjo, na presença de Deus, digamos, não “se garantiu”, que luta inglória se revela essa.

Está perfeitamente claro que a doutrina de um Lúcifer decaído, que se tenha transformado no príncipe das trevas é errônea.

Assim como é loucura crer que possa haver um ser eternamente devotado ao mal, meticulosamente dedicado a se contrapor a Deus. Assim como é insano imaginar um Deus que gaste as suas energias e seu tempo “disputando” almas com essa criatura. Almas que Ele criou com um amor incomensurável e indizível e que Ele jamais entregaria à perdição, fossem quais fossem os seus delitos.

Nós somos de Deus, a Ele pertencemos e Sua misericórdia para com nossos delitos é infinitamente maior que todo o raciocínio que possamos esquadrinhar. Ele não nos criou para a perdição, mas para o progresso contínuo, somos fadados à perfeição e não há nada no Universo que desconstrua essa verdade. Ele nos concede sempre um novo dia e uma nova existência para abandonarmos os nossos maus hábitos e caminharmos em direção à Sua Luz.

Por fim, seguindo a lógica da amiga da minha mãe, nos veríamos obrigados a imaginar um demônio que, não bastasse as suas ocupações em recolher e punir as almas renegadas, se dedicasse a elaborar uma obra tão extensa e coesa no bem quanto a doutrina espírita, criando-a em suas mais profundas verdades sobre a caridade e a fé. E ainda conduzindo uma obra de tamanho vulto, que em inúmeras partes do planeta ocupa milhões de espíritos desencarnados. Todos, estariam sob a sua direção, sendo orientados há mais de cento e cinqüenta anos a pregar falsamente o amor, a paz e as virtudes entre os homens.

Definitivamente, creio firmemente que o Espiritismo, assim como as inúmeras, religiões não seja obra de nenhum demônio.

sábado, 2 de outubro de 2010

Infância

Quando criança, morava com meus pais e meus irmãos numa casa muito antiga, na fazenda de meu avô.

A velha tapera fora testemunha do nascimento de minha avó paterna. É o que se conta ainda hoje.

Eu amava aquele lugar, que para mim parecia gigante - como, aliás, tudo nos parece gigante quando somos crianças. Gigante também era o nome da variedade de bambus que margeava o córrego mansinho que corria no fundo do quintal. E eu tinha um medo danado das moitas de bambu gigante, sobretudo quando um vento forte as sacudia, provocando estalos dos mais variados tipos. Quase sempre antes de uma chuva torrencial chegar lavando tudo. Sim, na minha infância todas as chuvas pareciam ser torrenciais.

Mais acima, mantendo a velha tapera distante dos amedrontadores bambus, haviam três imponentes jabuticabeiras-do-mato, daquelas que dão frutas enormes e custosas de amadurecer. Na realidade, mesmo quando maduras as frutas daquelas árvores pareciam embotar a boca da gente, de modo que, a minha mente infantil, afora e a sombra que aquelas jabuticabeiras proporcionavam pra gente brincar, nenhuma serventia para elas encontrava.

Impressão semelhante guardo até hoje da laranjeira que impunha-se entre as tais jabuticabeiras e a velha casa. Minha mãe ensinou-nos que era laranja-de-fazer-doce, por isso não comíamos os seus frutos. Entretanto, a menos que minha memória esteja me ludibriando, não me lembro jamais de comer doce daquelas laranjas de casca grossa e áspera.

Deliciosas mesmo eram as laranjas que produzia o pé de laranja que o meu pai chama de Ribeiroa. Essas, além da polpa saborosíssima com que seus gomos nos agraciavam, era a mais acessível das frutíferas, porque seus galhos pendiam bem encostadinhos na varanda dos fundos. Quando bem carregada, até a nós crianças era muito fácil alcançar as laranjas amarelinhas, simplesmente subindo na mureta.

O quintal zelosamente cuidado pelo meu pai, ainda contava com goiabeiras, um enorme abacateiro, amoreira, várias jabuticabeiras menores (ou comuns, como a gente dizia), bananeiras de diversas variedades, pessegueiro, um pé de limão-china, um pé de romã, uma abundante parreira de chuchu etc. Sem falar na grande e variada horta.

Meu irmão e eu muito cedo fomos para a lida na lavoura de café e nas - assim chamadas - culturas anuais de milho e arroz. Assim que ganhamos matrícula na escola, cada qual ganhou também sua enxadinha pra aprender a cuidar da terra. Bem de manhãzinha nos levantávamos e partíamos para a escolinha primária, que ficava na Fazenda Aleluia, também acompanhados pela minha irmã, nos primeiros anos, antes que ela se mudasse para a casa da madrinha na cidade para cursar o ginásio. Além de nós três, havia outras crianças que nos acompanhavam no trajeto de pouco mais de quatro quilômetros de estradinha de terra até a escolinha. Umas eram filhas dos empregados da fazenda do vovô e outras, filhas de sitiantes e fazendeiros vizinhos.

A rotina era rigorosa para nós. Depois que voltávamos da aula ministrada pela dona Neuza Eleutério e pelo “Seu” Raul Teixeira Lopes, rapidamente almoçávamos e trocávamos os trajes de alunos por roupinhas mais simples e um par de botinas. Logo éramos vistos caminhando para o trabalho na lavoura, onde ficávamos ajudando o papai até que o sol ameaçasse se por no horizonte.

De volta em casa, já de noitinha, o tempo era dedicado à lição de casa.

Após o jantar que a mamãe preparava no velho fogão a lenha, meu irmão e eu ainda encontrávamos energia para brincar um pouco à luz de lampião. Com o tempo, nossa casa ganhou o benefício da energia elétrica. E com ela, veio a TV, aquele monstrengo de botões engraçados e imagem preta e branca que fazia a sala da velha casa azular depois da janta, prendendo a atenção do papai e a mamãe, fosse ao telejornal ou nas novelas.

Como dormíamos cedo naquela época! Íamos pra cama bem antes do horário em que hoje a moçada sai pra balada.

Entretanto, como já naquela época eu tinha bem pouco sono, adorava contemplar a noite estrelada. Gostava de abrir a janela e ficar ouvindo aqueles ruídos típicos da noite no campo. Grilos, sapos... A noite no campo tinha sons mágicos. E o céu, sempre lindo.

Mas tinha algo que me tomava os pensamentos de maneira incomum. Da janela do quarto era possível avistar ao longe os carros que passavam pela rodovia. Rodovia da qual hoje sei o nome, sei a quais cidades conduz etc. Mas que naquela época dourada era uma completa incógnita pra mim.

Lembro-me apenas de ficar contemplando os faróis e que iam e vinham e deixar a minha imaginação voar. Perdia-me em questões como: Quem estará dentro daquele carro? Como e onde vive? Quais são seus sonhos, seus gostos, suas alegrias e tristezas? Será uma pessoa feliz? Para onde estará indo? Movido por quais razões corta a rodovia a essa hora da noite? Será um homem, um pai de família? Terá filhos? Uma esposa? Ou será toda uma família viajando feliz para algum passeio agradável? Será que viajam cantando, ou conversando sobre algum assunto de família?

Eu podia passar horas tecendo conjecturas a respeito daquelas pessoas que para mim não passavam de anônimos. Pessoas que jamais imaginariam que a quilômetros da rodovia um menino estivesse pendurado na janela velha de uma tapera contemplando a noite e observando o movimento dos carros na pista. Pessoas que viveram cinqüenta, setenta anos, morreram e nunca souberam da minha existência. Pessoas das quais eu jamais verei os rostos ou ouvirei as vozes, ainda que eu viva cinqüenta ou setenta anos.

Ainda hoje, guardo em mim questionamentos semelhantes ao daquele menino da fazenda.

Andando pela cidade, esbarrando com um sem número de pessoas, cada uma com sua urgência, cada uma com seus milhares de motivos para não se relacionarem comigo, às vezes fico a pensar quem são, como vivem, o que pensam e sentem circulando anônimos pela cidade, tão mais próximos de mim que os passageiros dos carros na rodovia da minha infância.

Muitos deles cruzam comigo nas calçadas ou nas ruas inúmeras vezes. No entanto eu nunca soube seus nomes, seus sonhos, suas tristezas ou alegrias, seu time do coração...

Tampouco eles sabem de mim, que eu sou um menino crescido na roça, contemplando carpindo mato e contemplando estrelas. Um menino com medo do bambu gigante, que nunca mais provou uma laranja ribeiroa.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Rodovia

Carros que vão,
carros que vêm
transportando gente.

Gente à margem.
Gente que vai.
Gente que vem.
Cada vez menos sola no sapato.
Sempre mais sonhos na cabeça.

Carros vão e vêm,
gente vai e vem.
Ninguém sabe ao certo
o destino de ninguém.
Nem quer saber.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Futebol

A diretoria do Santos Futebol Clube acaba de dar um tiro no pé. Aprofundou uma crise que poderia ter sido resolvida internamente, jogou na lata do lixo todo o trabalho feito pelo Dorival - trabalho que rendeu bons frutos ao clube - , sepultou de uma vez por todas a harmonia que havia (ou parecia haver) entre seus atletas e, de quebra, criou um precedente perigosíssimo tanto para o próprio clube quanto para o futebol brasileiro como um todo.
Ouvi um comentarista esportivo dizer que os dois lados foram responsáveis para o rompimento: tanto a diretoria quanto o técnico, que teria sido inflexível.
Me pergunto, qual o patamar razoável de flexibilidade quando se lida com uma equipe de futebol apinhada de craques que em menos de um ano foram alçados à categoria de estrelas, ovacionados pela mídia e por uma torcida apaixonada? Como lidar com egos que sairam do anonimato e passaram a valer milhões de dólares cada um? Sobretudo quando, no caso de Neymar, trata-se de um jovem de família humilde e tem tão pouca idade.
Qual o limite da flexibilidade, então? Teremos que tolerar, dentro de pouco tempo, que um jogador mande seu técnico calar a boca e deixe sua estrela brilhar?
Quando senhor Luis Álvaro deu declarações insinuando que o Dorival quis ser "maior do que o Santos Futebol Clube", no mínimo ele demonstrou que tem uma visão, no mínimo, míope das circunstâncias.
A postura do jogador Neymar, sim, foi a de se comportar como quem deseja ser maior que seus companheiros de equipe, maior do que o técnico. Isso, no meu singelo entendimento, é a forma mais acintosa de colocar-se maior que o clube. O que é o clube se não seu elenco e sua equipe técnica? Quem, afinal, constrói a história do Santos senão aqueles que duelam juntos (como equipe) dentro das quatro linhas, orientados pelo seu comandante? Foi contra essa realidade que Neymar se insurgiu quando desacatou o técnico e o capitão do time. Se isso não é tentar se fazer maior que seu clube, eu não sei o que o será.
Quando a diretoria do Santos age punindo o treinador num episódio como o que atingiu o clube nesses dias, ela assina uma procuração para que qualquer atleta indisciplinado afronte qualquer autoridade dentro ou fora de campo.
Deus os ajude para que amanhã eles mesmos não tomem um "cala a boca" do Neymar ou de alguma outra estrela ascendente. E aí, quem será maior que o clube?

Ps.: não deixem de tomar em consideração que esse é o comentário de um corinthiano apaixonado, que enxerga as coisas de seu ângulo.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Nosso Lar

Tamanho foi o impacto que o filme Nosso Lar teve em minha vida que decidi não escrever nada de imediato no dia em que o assisti. Eu precisava de tempo para concatenar as idéias, absorver plenamente as sensações que ele me proporcionou. Entender tudo o que se processou dentro de mim diante da história do médico André Luiz.
Hoje entretanto, quatro dias depois de tê-lo assistido, venho confessar a minha impotência em descrever o indescritível. Venho dizer que é provável que eu gaste o restante dessa existência para digerir tudo o que esse filme significou na minha experiência como espírito e enquanto espírita. Não! Talvez eu gaste algumas reencarnações para entender um mínimo do processo que se passou com André Luiz e quiçá um dia consiga lograr compreender melhor o meu próprio processo.
Melhor então fazer logo um convite: assista o filme. Confira você mesmo e deixe André Luiz falar ao seu coração.
Certamente, você não passará incólume pela experiência. E descobrirá, você mesmo(a) que também tem seu processo, sua trajetória. E que pode fazer dela como bem entender, quando quiser. Sobretudo, pode mudá-la pra melhor.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Homossexualidade

Poucos assuntos são tão controversos na nossa sociedade, poucos tão propensos a estabelecer tabus. E poucos são tão reveladores da hipocrisia humana quanto a homossexualidade.

Quase todos nós já presenciamos (ou participamos) de conversinhas secretas sobre um colega de trabalho gay, uma colega assim... “meio sapata”. Há um escarnecimento geral quando uma dessas pessoas passa a fazer parte da equipe de trabalho na empresa, quando entra pra nossa turma na escola ou quando é um primo meio distante ou uma prima que sempre aparece no Natal etc.

Piadinhas, trocadilhos, humilhações veladas, um tratamento ora frio demais, ora acolhedor em excesso – quando a consciência acende a luz amarela de “estou sendo preconceituoso e isso é feio e está fora de moda. O fato é que nenhum ou nenhuma homossexual passa incólume pela convivência conosco, que nos consideramos “normais”.

De um modo geral, atiramos todos(as) eles(as) na vala comum da promiscuidade. O cara pode ser um talento nas finanças da empresa, mas “ele é gay” e sabe como é, né... A moça fala bem pra caramba, tem uma liderança incrível e ainda ajuda no departamento pessoal, mas... alguém disse que viram ela beijando uma mulher na boate, e além de tudo, com aquela voz grossa... sei lá...

Resumindo, a pessoa pode ter um talento incrível, ser honesta ao extremo, íntegra, batalhadora, responsável etc, etc, etc, se é homossexual, cuidado com ela: é depravada, leva uma vida paralela, é suja, não merece conviver conosco, que somos “pessoas normais”. Tudo o que povoa a mente humana referente ao tema “promiscuidade” me faz rotular aquela pessoa como segundo escalão humano, menos digna que eu e meus amigos.

Pode haver algo mais hipócrita em nosso meio?

Sim, porque se o cara é competente na empresa e ainda vai pro motel comer a secretária no fim do expediente, ele é perfeito. As rodinhas de conversas sobre ele o exaltam, os olhos brilham ao comentar a capacidade do cara de ser tão cafajeste e se dar bem com a secretária gostosa enquanto a mulher dele espera em casa com o jantar na mesa. “Cara! Ele tá comendo aquela secretária gostosona que começou aqui no mês passado!” “O cara é dez!” Ele vira o herói da turma do escritório.

Se a moça, além de ser bilíngüe, ter pós graduação em gestão de pessoas e elaborar memorandos magnificamente, ainda transa com o chefe do departamento, ela é aplaudida.

Nesses casos o filtro da promiscuidade é desligado.

Aliás, em se tratando de promiscuidade, vou mais longe e pergunto: quem é mais promíscuo: o cara que paga uma garota de programa pra ter um sexo mais quente, pra fazer aquela boquete ou o sexo anal a que a mulher dele se recusa terminantemente, ou aquele sujeito discreto, que vive um relacionamento estável e respeitoso, fiel ao seu parceiro, companheiro em todas as circunstâncias?

É muito curioso que nós heteros admitamos sentir asco quando nos passa pela cabeça a imagem de duas mulheres transando ou de dois homens se acariciando. Há dados sobremaneira reveladores da mentira dessa afirmação.

Cito como indicativo, apenas uma das versões do vídeo que mostra a cantora Daniela Mércury beijando sua bailarina no palco soma mais de quinhentas e sessenta e seis mil exibições. E eu creio que não foram apenas homossexuais que clicaram lá pra assistir. Até porque suspeito que gay que é gay não fica assistindo beijo gay. Vai lá e beija.

Todos sabemos que a grande maioria dos homens tem uma fantasia com duas mulheres transando.

Só que essas manifestações são politicamente incorretas e vão todas para o gueto da nossa vida íntima, assim como insistimos em atirar no gueto da vida social os(as) homossexuais que estão entre nós.

Já é hora de pararmos com isso!

Há uma legião de homens e mulheres de bem, tão dignos quanto qualquer cidadão ou cidadã heterossexual, que vivem entre nós, mantendo relacionamentos baseados em princípios sólidos, respeito, amor sincero e fidelidade (suspeito que os gays sejam muito mais fiéis que os heteros).

Eles e elas estão aí, se movimentando dentro da nossa sociedade, trabalhando, fazendo arte, dirigindo religiões, cursando faculdades, gerindo órgãos públicos e empresas, tentando levar a sua vida de cabeça erguida e com a dignidade que todos nós merecemos e reinvindicamos.

Chega de hipocrisia.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Velho

Hoje concluí que estou mesmo ficando velho:
começo a não encontrar mais lugar nesse mundo.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

De como e porque

Minha poesia
nasce do escuro
da noite,
do silêncio da dor
sem ais.
Nasce do peito explodido
que mil estilhaços
atirou pela janela
velha do quarto.
Sai chamando Drummond
pelos campos,
pelas ruas
e amando mulheres:
uma por mês.
Minha poesia desalentada,
sem adorno
nem alegria,
poesia sem nada
pra dizer tudo
com um grito abafado pelo pranto
que chora desditas
de vidas sobrevividas
mundo afora
mundo adentro.
Nasce do ventre,
da entranha
em direção à Lua,
ao mar e à alma tua.
Minha poesia
nasce caótica,
sem prumo,
qual tiro no escuro.
Em cima do muro,
como se eu fosse puro.
Sai sangrando,
expondo
na ânsia de ocultar,
hemorragia de desejos
mutilados.
Sai vomitando desilusões,
dizendo que a vida,
que a vida é não.
Porque a vida é
a negação diuturna da morte,
que se vive resignadamente.
Depois minha poesia volta cansada
e recolhe-se em mim,
amedrontada
diante do tamanho da obra.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Eleições

Assistindo ontem à estréia do programa eleitoral gratuito fiquei penalizado. Sim, fiquei com pena de ter que votar em apenas um candidato dentre os que disputam a presidência. Afinal, são todos tão inteligentes, aparecem tão bem maquiados e tão bem intencionados na TV que dá dó ter que desprezar qualquer um deles.

Cada qual mostrando a sua trajetória de vida, nascidos em famílias humildes, batalharam muito para conquistar estudo e posição na vida.

E o que dizer da militância deles? Meu Deus! São currículos de fazer inveja a São Francisco de Assis, tamanha a sua dedicação aos pobres e desvalidos da sociedade, sua luta por um país mais justo, com melhores condições de vida para todos os brasileiros.

Assistindo ao programa eleitoral dá mesmo pra se ter a nítida impressão de que todos, sem exceção, nasceram predestinados a ser presidente (ou presidenta) da nossa amada e idolatrada república.

Não há um deles que não apareça beijando criancinhas pobres, abraçando velhos moribundos ou comendo um pastelzinho no mercadão popular. A gente fica mesmo emocionado de ver como o futuro do nosso país está assegurado com tanta gente boa assim querendo governá-lo.

E os discursos. Memoráveis!

“Vamos melhorar a saúde, investir na educação dos nossos jovens, reajustar o salário mínimo acima da inflação, acabar com os pedágios, reduzir os impostos, melhorar a segurança pública etc...etc...etc.”

Dos três candidatos rotulados pela mídia como “principais”, dois tiveram seus partidos por oito anos à frente da presidência, sendo que ambos foram ministros em seus respectivos governos. Ou seja, tiveram participação ativa. Dessa experiência toda nasceu a cansativa cantilena do “nós fizemos isso, eles deixaram de fazer aquilo”.

Nos telejornais da TV aberta, tenho acompanhado matérias que esboçam um interessante raio-x do Brasil, como é típico nessas épocas eleitorais. Vou ressaltar aqui o que me restou na memória da enxurrada de informações que as emissoras despejaram em minha mente:

· 53% é a carga de tributos que está embutida no preço da gasolina;

· 44% dos municípios de Goiás não têm sequer uma unidade de pronto atendimento de saúde;

· O governo brasileiro arrecadou em julho/2010 o montante de 67,973 bilhões de reais;

· O mesmo governo aplica em saúde menos de 2% do PIB.

Resta agora algum dos(as) nobres candidatos(as) colocar de vez as cartas na mesa sobre seus planos para erradicar definitivamente um mal que envergonha o Brasil perante o mundo inteiro: a carga tributária que rouba o cidadão de bem e deposita nas mãos de milhares de administradores desonestos ou incompetentes o seu suado dinheiro.

Teremos que descobrir, entre esses sorrisinhos e essas juras de boas intenções, qual deles está mesmo disposto a realizar as mudanças estruturais que nosso país necessita para alcançar desenvolvimento com um mínimo de justiça social.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Oração

Bondoso Criador do Universo,
a quem os meus irmãos homens dão variados nomes
e tratam com maiúsculos pronomes,
quero hoje dirigir-vos uma prece, a mais singela:

Desta multiplicidade de facetas que se sucedem para compor meu eu
Concede-me a ventura de vencer a confusão interna e encontrar-me
verdadeira e profundamente com a minha essência.
E acima de tudo fazer dessa essência atividade e luz
que preencham o cotidiano das pessoas que comigo partilham a existência.

Oh, magnífico Criador e Mantenedor deste gigantesco universo de vidas, sons e cores,
que me criastes tão pleno de potencialidades,
Peço-vos nesta prece apenas a sabedoria para bem viver
e arrancar a minha existência do pântano odioso da inércia,
posicionando-me como ator no grande concerto dos seres.

Que eu possa ferir o mundo com a minha presença
por todos os dias em que eu respirar sobre a face da terra.

Assim seja!

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Deserto de Desespero e Vida

Há em mim um desespero aterrador
de quem quer viver a existência toda
em apenas um momento e experimentar
todas as vidas que cabem numa vida.

Desejo espantado de fugir dessa mediocridade
que reduz o homem a apenas homem.
Teias cotidianas prendem-me ao não-lugar da existência
e vou vendo a minha vida passar bem aqui ao meu lado.
A vida que a minha mente constrói compulsivamente
e que agarra a minha garganta com força.

Vida a me perguntar a todo instante: "Para onde vais?"
Eu digo que vou longe, fantasio mil estações e paragens,
mas meus pés me recusam o primeiro passo e dizem:
"Permaneçamos aqui, onde é mais seguro."

Aqui, dentro de mim, percorro distâncias muito maiores
em terrenos bem mais acidentados,
Em completa escuridão, às vezes.

Eu não quero o mais seguro. O mais seguro é morto.
O morto está lá, sete palmos abaixo da terra,
protegido do sol, da chuva, da geada e do granizo,
da gripe e da diarréia, do amor e do ódio,
e de todos os riscos da existência,
porque ele não existe: é morto.

Ele só precisa ser morto e perpetuar a sua não-existência
por todos os séculos, para que ninguém o veja, para que ninguém o ame
e assim ele não corra nenhum risco em sua paz eterna e inútil.

O que eu vou querer com a paz? Não tenho parte com ela,
dentro de mim há um territótio de guerra constante,
minas e canhões a desconstruir diuturnamente o eu
que se esforçam para construir de mim, de fora para dentro.

Dentro de mim há vulcões se revezando em erupções initerruptas,
há raios e tornados a varrer o espírito tíbio que habita esse corpo torto.
Espírito que tenta, em vão, rasgar a veste epidérmica e bradar ao mundo
a verdade mais profunda e mais poética de si.

Não! Não há voz que caiba tamanho grito.
Não há em todo o universo outra mente que penetre a minha
e possa apaziguar tão impetuoso impulso de dizer aquilo que
jamais foi dito por medo, vergonha ou simples cautela.

Não existe, em parte alguma do Universo, outro ser criado
capaz de olhar-me nos olhos nesse instante e dizer: "Acalma-te."
A calma que você vê em meus gestos é mentira,
essa paciência com a vida e suas vicissitudes, é mentira,
essa doçura em lidar com tudo é apenas aparente.

Essa credulidade que você supõe em mim, é mentira!
Essa firmeza de princípios, é mentira!
Não creia em minhas palavras, não aposte em minhas crenças,
não se deixe seduzir pelos meus conceitos.

Antes, mergulhe em mim, atravesse-me
como quem enfrenta uma tempestade de areia,
arrisque-se à beira de um de meus muitos vulcões,
Desafie-se a penetrar o deserto longo e tórrido que é minh'alma.

E então, quando tivermos sobrevivido e encontrarmos
um oásis em que possamos descansar algumas horas - não mais,
então diga com um pouco menos de segurança: "Conheço um pouco de ti."



domingo, 1 de agosto de 2010

Crônica do Amor

"Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo a porta.

O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.

Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referenciais.

Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.

Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.

Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco.

Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no
ódio vocês combinam. Então?

Então, que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.

Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele não tem a
menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não consegue despachá-lo.

Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita na boca, adora animais e escreve poemas. Por que você ama
este cara?

Não pergunte pra mim; você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor.

É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura
por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível.

Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor?

Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.

Não funciona assim.

Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o Amor tem de indefinível.

Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó!

Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é! Pense nisso. Pedir é a maneira mais eficaz de merecer. É a contingência maior de quem precisa."

Texto de Arnaldo Jabor, extraído do site www.pensador.info

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Urgências

Sexta-feira, cai a tarde.
Um sem número de palavras
enferrujando em minha mente
e eu preocupado com as contas a pagar.

Essa vida custa-me tantos sacrifícios.
Quantos versos natimortos assim que o telefone toca!
Tantas inspirações perdidas, em meio às iminências
do homem inflexível em que me venho transformando.

Quedo-me vencido.
Mão posta ao queixo, a mente viajando
no universo de mil sílabas que já não se juntam
para simplesmente dizer, ao final, o meu não-dizer.

Ia escrever sobre o amor ou sobre outras sentimentalidades.
A mão, subitamente deixa o teclado e corre ao bolso vazio.
Lembrança intermitente - e irritante - de compromissos próximos.
Pronto, está perdido o verso.

Adiemos o amor e coloquemos comida no prato.
Suspendamos temporariamente o sentimentalismo
e tratemos de encher a geladeira.
Afinal, chegou o fim do mês e o salário ficou lá para trás.

Mas a vida tem urgências pouco poéticas.

Evoluir Sempre

Evoluir sempre, se cessar, sejam quais forem as circunstâncias.
Olho através da janela do escritório nessa manhã e penso nessa necessidade de evolução.
A árvore que balança as suas folhas ao vento, não sabe que está evoluindo.
Será que ao volante dos carros que passam na rua, os motoristas sabem que estão evoluindo?

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Pai




















Um abismo aparentemente infinito
vem engolindo nossa relação.
Um silêncio hostil nos mantêm frios
dentro da casa que parece cada dia menor.

Sei que o amo, nunca duvidei disso.
Difícil entretanto, encontrar esse amor
sob os escombros resultantes das tempestades
que fizeram chover mágoas torrenciais
sob o edifício frágil da minha tolerância.

Inúmeros pequenos gestos teus me irritam.
Olhares cheios de significados
que a boca sabe-se completamente
dispensada de pronunciar
ferem-me a susceptibilidade.

Não consigo mais caminhar em sua direção.
E quanto mais cabelos brancos vejo em sua cabeça,
tanto mais se multiplicam meus medos.
Porque a vida segue inexorável roteiro
em que as energias minguam até se exaurirem.

Um dia os velhos se vão
e deixam seus jovens para trás
afim de que eles carreguem as alegrias de suas lembranças
e os remorsos de suas atitudes indignas.
Até que se tornem velhos também eles.

E agradeçam por ter que deles se lembre com algum carinho.

Memórias

Recomecei a ler "Informação ao Crucificado" do Cony, que eu lera em 1999. Impressionante como a narrativa da vida no seminário passada nos anos 40 carregue sensações tão próximas às que eu vivi às portas do século XXI.
Não sei porque ainda hoje sonho reiteradas vezes que estou de volta ao seminário. Sonhos quase sempre passados em uma construção antiga, com corredores e clautros muito semelhantes aos do Noviciado de Rodeio, em SC. Invariavelmente estou rodeado de colegas e a conclusão a que chego é sempre a mesma: "O que é que eu estou fazendo aqui novamente? Faz tanto tempo que eu fui embora!"
Algumas vezes vejo-me paramentado para celebrar a missa. às vezes só, às vezes na companhia de outros padres.
Quando seminarista eu cultivava costume semelhante ao do personagem-narrador de "Informação ao Crucificado", João Falcão. Escrevia num diário o meu cotidiano, minhas percepções acerca da vida religiosa, minhas dores íntimas, frustrações e alegrias.
Na realidade, comecei a escrever bem antes de ingressar no seminário. Tinha já uns cinco ou seis cadernos de anotações.
Vez ou outra eu dava uma espiada em uma data que correspondesse em dia e mês de anos anteriores. Por exemplo: se tivesse hoje meus cadernos em mãos, iria verificar o que eu escrevera num dia 28 de Julho passado. Às vezes pesquisava a mesma data em dois, três ou mesmo quatro anos diferentes.
Foi isso que começou a me deixar entediado: comecei a notar que minhas crises eram cíclicas, os problemas e angústias haviam se transformado num círculo vicioso em minha vida. Um dia notei que, com 27 anos, eu sofria as mesmas dores, tinha as mesmas inseguranças e frustrações de minha adolescência. Fiquei estarrecido e muito depressivo.
Não tardou muito a que eu me decidisse a queimar tudo aquilo, numa decisão de exorcizar meu passado e romper com aquela ciranda.
De certa forma, funcionou. Mas, como escritor, não posso negar que tenho certo arrependimento por ter colocado fim a tantas memórias.
Hoje imagino que eu poderia ter alcançando progresso sem necessariamente o ritual da queima dos cadernos. Paciência, está feito.
Queimados os meus cadernos de memória, resta-me saborear as de Carlos Heitor Cony.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Cony

Acabo de assistir na TV a um programa sobre a vida e a obra de Carlos Heitor Cony, um escritor de quem eu gosto muito não só pelo que dele já li, mas também por sua história de vida.
Na realidade, minha relação com Cony é um tanto controversa. Meu primeiro contato com ele foi por meio de seus artigos na Folha de São Paulo, quando eu ainda era seminarista. Já frade franciscano, li "A Casa do Poeta Trágico", livro que me encantou e do qual, para minha surpresa, na entrevista de hoje ele disse que não gosta.
Mas a minha mais grata surpresa com o Cony foi "Informação ao Crucificado" em que ele faz praticamente uma auto-biografia de seus tempos de seminarista. Minha identidade com a sua experiência fez-me saborear cada sílaba do livro como se eu estivesse vivendo junto com o personagem aquele dia-a-dia cheio de dramas íntimos, histórias pitorescas e personagens estarrecedoramente reais.
Claro que àquela época eu já sabia que o Cony havia estudado em seminário católico. Aliás, era isso que me fazia permanecer atento a tudo que rodeava seu mundo: um documentário, uma entrevista, uma homenagem. Qualquer coisa que me ajudasse a enxergar melhor aquele homem que, assim como eu, houvera passado por uma experiência marcante de vida eclesial e que, também assim como eu, deixara a Igreja. E mais uma coincidência: assim como eu, inclinara-se à literatura.
"Informação ao Crucificado", lido quando também eu já havia abandonado a Igreja, apaziguou essa sede que eu tinha de desvelar o Cony seminarista. E eu gostei muito do que li, em muitos momentos me identifiquei, emocionei-me e ri também.
E também confrontei a minha vivência com a dele, guardadas as devidas proporções, leia-se: a distância no tempo, as normas do seminário em sua poca - bem mais rígidas que em meus dias - e, obviamente, Carlos Heitor Cony é quem é. Eu sou um ilustre anônimo. Disso tudo, resta uma comparação fundamental: Cony ignora Deus, é um ateu lúcido e inexorável, enquanto eu, ainda que nos meus auges de crise com a doutrina católica, jamais descri de Deus.
Bem, como eu disse no início, minha relação com o Cony é controversa. Explico-me: malgrado toda admiração que nutro por ele, as tentativas de contato foram frustradas.
À época em que li A Casa do Poeta Trágico, mandei extensa correspondência para ele, elogiando o livro e, claro, fazendo uma sutil propaganda de minhas pueris atividades literárias. Na ocasião, como eu nem sabia teclar num computador e internet pra mim era assunto de futuristas, consegui o endereço da redação da Folha de São Paulo e enviei pra lá, devidamente endereçada a ele. Jamais recebi qualquer resposta, numa época em que eu romanticamente achava que um escritor consagrado pudesse dar atenção à correspondência de um aprendiz de poeta de uma cidade do interior.
Ao terminar de ler Informação ao Crucificado, ainda mais motivado e já um sobrevivente no ciberespaço, descobri um site do escritor. No site, um endereço de email que parecia levar diretamente a ele minhas palavras. Muitas palavras e uma propaganda já nem tão sutil e carente de modéstia. Novamente o silêncio. Nunca houve uma resposta.
Até hoje me pergunto: porque raios uma pessoa pública cria um site e divulga nele um email de contato se ela jamais responde às palavras amáveis de um admirador, sobretudo um admirador-discípulo?
Já falei com uma pessoa que o conhece pessoalmente e que me garantiu que ele é mesmo inalcançável, que é um tanto arrogante e deliberadamente solitário. Como diriam no seminário, um legítimo anti-social.
Ora acredito que isso seja verdade, ora duvido... No fundo, não me importa.
O que importa mesmo são as sensações que a sua literatura já me proporcionou.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Sozinho

Edifício de solidão
construido com zelo,
tijolo a tijolo.

Palavras caladas
dentro do coração.
Pensamentos tolos
sem expressão.

Mesmo diante da negativa constante
de um outro alguém em seu espaço,
pouco a pouco vai baixando a guarda
como quem vê a velhice chegar
e o espelho criar rugas, dizer rabugices.

Agora quase quer um amor.
Não! Amor nessa altura já não vem...
Talvez simples companhia discreta
pra tomar uma sopa nos dias frios.

Alguém que ouça seus queixumes
com um sorriso no rosto.
E ao menos diga: "não se preocupe".
Ou talvez: "posso te ajudar?"

Quem suportaria suas manias?
Quem se animaria a fazer presença
na vida que toda a vida foi só ausência?
Nada de filhos, nenhuma grande paixão
ou aventura pra narrar.

Nenhum grande feito em todos aqueles anos.
Apenas um par de chinelos se arrastando pela casa
e intermináveis xícaras de chá na frente da TV.
Sem histórias pra contar. Pior: pra lembrar.

Pra contar se pode inventar alguma.
Mas quando a cabeça pousa no travesseiro
vazia de recordações significativas
não há fantasia que preencha os anos vividos sem vida.

Quase deseja uma companhia.
Ainda que seja para um carteado monótono
ou para usar mais uma xícara,
à espera do sono cada dia mais escasso.

Ainda que seja para que a morte
Não se sinta constrangida de chegar
e não subraí-lo de ninguém.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Humberto

- Alguém aqui o conhecia? - pergunta o delegado depois de examinar o magro cadáver esticado entre tambores de lixo.
Silêncio...
- Vamos, pessoal! Nome? Idade? Familiares!? Será possível que ninguém aqui sabe nada a respeito dessa pobre criatura?
Quando está prestes a se irritar com a multidão que se aglomera, trânsito que vai ficando cada vez mais lento e o silêncio das bocas famintas dos moradores de rua, o homem grave ouve uma voz rouca quase que por cima de seu ombro:
- Humberto.
- Hein!? - Vira-se para ouvir melhor ao mesmo tempo em que passa pela cabeça que logo logo estará usando aparelho de surdez, feito seu velho pai.
- O nome dele era Humberto, tadinho! - Repete a dona daquela voz quase sumida no ruído da cidade, uma senhorinha maltrapilha com somente um dente inferior, vestida em trapinhos imundos.
- Humberto de quê?
- Ah, isso eu num sei não, dotô! Até teve um dia, logo anssim que ele chegou aqui, que me mostrou os dicumentu... Mas eu num sei lê, né...
- Bom, então temos uma pista. Ele tem documentos. Onde é que ficam guardados? Nos bolsos não tem nada...
Enquanto diz isso, o delegado meneia a cabeça em sinal a um dos investigadores que o acompanham, como que ordenando que vasculhasse a área.
- Tem mais dicumento não, dotô! - retorna a velhinha. Tem mais de ano que os nóia cataram as coisas dele. É só a ropinha do corpo, mesmo. Que nem nóis tudo aqui.
- Que droga!
- Só uns fuminho...nada além disso, dotô. Crack, mesmo, ele nunca quis porvá!
O delegado se volta para a velhinha desdentada, começando a bater os braços para esbravejar algo, mas desiste diante de tão decrépita figura.
- Faz muito tempo que ele vivia aqui?
- Tem pra mais de ano e meio, dotô.
- A senhora conversava muito com ele? Sabe se ele tinha família? Amigos?
- Ué... ele sempre falou que a mãe dele era viva, que chamava... Rosa e que tinha casa e tudo... Mas nunca apareceu ninguém aqui.
- Rosa... Humberto... Vai marcando aí, Macedo.
Macedo, um investigador esguio, óculos na ponta do nariz, empunha um bloquinho de anotações na mão esquerda. Com a mão direita saca da orelha uma esferográfica e, com uma expressão absolutamente descrente, começa a anotar as informaçoes de mais um das dezenas de cadáveres que ele está acostumado a fotografar e catalogar todos os meses.

Nome: Humberto...?
Idade: + ou - 23
Mãe: Rosa...?
Residência: Morador de rua.

- Ele tinha alguma companheira? Pergunta do investigador.
- Só aquela ali, ó. Afirma a velhinha, enquanto aponta uma cadelinha magrela sentada próxima ao corpo.
- Bem... acho que ela não vai ajudar muito...

Estado civil: solteiro.
Causa da morte: cinco tiros, sendo dois na cabeça, um no abdômem e dois no braço direito.
Local do crime: Praça da Paz, s/n.
Quando escreve "Praça da Paz", o investigador pára, olha para a pracinha toda salpicada de lixo, com gramado suplicando água e uma meia dúzia de bancos de cimento quebrados. Meneia a cabeça e sussurra um "tsic".
O delegado, agachado, examina mais detalhadamente o cadáver e pensa em silêncio:
"Esse rosto... estranho... não é um rosto de morador de rua. Os traços são muito delicados."
Aproxima-se, então um jovem em trajes tão maltrapilhos quanto os dos demais moradores de rua ali presentes. Ao ver o corpo magro caído de bruçus, ele imediatamente reconhece a vítima e derrama lágrimas silenciosas.
- Meu Deus! Tadinho do Beto! Quem foi que fez isso, doutor? Pelo amor de Deus, me diga: quem foi que fez essa barbaridade?
- Estamos tentando descobrir, meu filho... estamos tentando. - diz o delegado, despertado de suas indagações pela voz chorosa do jovem.
- Ele era um coitado, doutor! Nunca fez mal a ninguém. Vivia ajudando a gente aqui.
- Você o conhecia bem? O que sabe sobre ele?
- Bom, eu chamava ele de Beto. Mas o nome dele era Humberto...Arantes, se não me engano. Fazia pouco mais de um ano e meio que ele veio pra cá. A gente ficou muito amigo.
- E ele falava da família? Pai, mãe...? Tinha algum endereço?
- Ele disse que morava no Morumbi, que a família era bem de vida. Depois que o pai morreu, a coisa desandou, apareceram outros herdeiros. A mãe dele, uma tal de dona Rosa, descobriu que o marido sempre teve outra família e parece que pirou. Acabou internada em sanatório. Parece que os irmãos bastardos tomaram conta da empresa do pai dele e botaram ele pra correr. Ele perambulou por vários viadutos de São Paulo até vir parar aqui. Depois que veio pra cá, a história é igualzinha à de qualquer um de nós: vieram as drogas, um assaltozinho aqui, outro ali pra se sustentar e comprar um baseado...
Delegado e investigador ouvem atentamente o relato do amigo que chora.
- Aí, o senhor sabe como é, né... A gente acaba arranjando uma treta aqui, uma treta ali... Mais cedo ou mais tarde acaba assim.
- E com quem é que o nosso amigo tinha treta?
- .....
- P...Q...P...!!! Esbraveja o delegado, suado, cansado, olhando todos os maltrapilhos à sua volta saírem cabisbaixos. Ninguém vai me dar uma pista!?
Segura então o braço do jovem depoente, tentando impedí-lo de seguir os demais.
- Quem é que fez essa cagada aqui!? Quem tinha motivos pra matar um moleque que só ajudava os outros e fumava um baseadinho de vez em quando!!?
- Sei não, doutor, sei não.
O delegado solta o braço do rapaz, que sai devagarinho com o rosto banhado em lágrimas.
Em poucos instantes a cena do crime só tem o cadáver, o delegado e três investigadores. Os moradores de rua se foram, os transeuntes vão e vem na sua rotina invisível.
O cinza desgastado da viatura se confunde com o concreto armado de uma construção que se ergue atrás da praça.
Aproxima-se a sirene trêmula de uma funerária. Ela encosta bem próxima ao cadáver de Humberto. Descem dois homens com luvas nas mãos. Eles olham em silêncio para o delegado por alguns segundos.
O homem da lei sussurra, enquanto enxuga o suor da testa:
- Pode recolher. É indigente.
- Mas, doutor, ele foi assassinado e...
- É indigente, eu já disse.
O delegado entra na viatura acompanhado de seus investigadores e saem em disparada, de volta ao plantão policial.
Longe dali, num hospital psiquiátrico, uma jovem senhora passa por um interrogatório médico:
- Sim, eu tenho um filho. Ele é lindo e vai ser médico um dia, assim como o senhor! Ele se chama Humberto! Já imaginou? Doutor Humberto Arantes!!!

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Letícia!!!


Puxa vida! Cometi um erro terrível no texto que publiquei a dois minutos atrás.
Em meio a tantas coisas desagradáveis, há um acontecimento magnífico: o nascimento de minha sobrinha Letícia. Foi o maior de todos os acontecimentos nos últimos anos em minha família.
E como se não bastasse, ela se tornou minha afilhada no domingo, quando a batizamos na Igreja de São Judas Tadeu, aqui em Franca, minha cidade.
Letícia, no latim, quer dizer "alegria". E é isso que eu imagino que chegou junto com ela, uma alegria permanente para minha família.
Em meu orkut tem fotos dela, inclusive algumas são do batizado.

Uma bobagem qualquer

Me bateu uma crise de consciência hoje, ao acessar meu blog e ver que desde dezembro passado eu não postava nada de novo. "Que ridículo, um poeta que passa meses sem escrever nada, nem uma linha sequer!" foi o que passou pela minha cabeça.
Mas, como de fato eu ando absolutamente desanimado de escrever, tão imerso que estou em meus problemas cotidianos, eu sabia muito bem que qualquer tentativa de escrever hoje terminaria num monte de bobagens.
Pois bem: vamos escrever uma bobagem qualquer para ficar registrada aqui.
Oh, semaninha cruel essa que está se encerrando! Meu Timão caiu fora da libertadores, com Gornaldo e Cia, minha vida financeira continua o mesmo desastre dos últimos trê anos - no mínimo - e meu candidato a presidente da república simplesmente não é mais candidato.
Bom pelo menos recebi uma simpática resposta do gabinete do Ciro Gomes à manifestação de descontentamento que postei em seu site quando o PSB decidiu enterrar de vez a campanha presidencial de 2010.
Continuo tentando vender meu velho carro. Depois de baixar o preço por três vezes, estou quase convencido a dá-lo de presente a alguém. Mesmo assim, tenho receio de que ele seja recusado.
Agora, se tem uma coisa que está indo bem é meu namoro.
A Rita e eu estamos muito afinados e nos amamos de verdade. Isso me deixa muito feliz e faz os demais problemas diminuírem muito de importância.
Além do mais, nada melhor que um dia depois do outro. Sei que isso é um chavão, mas é bem apropriado ao momento que estou vivendo e me consola um pouco. Sei que ainda haverei de viver dias mais agradáveis.
Tenho que trabalhar para isso, é verdade.
E uma das maneiras mais prazerosas de trabalhar, no meu caso, é escrevendo. Preciso urgentemente redescobrir o prazer de escrever, como eu já fiz outrora. Houve um tempo em que eu escrevia compulsivamente.
Tenho, inclusive a idéia de um livro, um romance. Mas cultivo um certo receio em relação a isso. E explico: a história que eu tenho em mente passa-se em um ambiente eclesiástico, inspirada nos anos que vivi como seminarista, nos bastidores da Igreja. Como eu sou muito crítico e tenho uma certa munição, receio apimentar demais a história e criar uma polêmica que eu não quereria criar.
Ocorre que, quando eu começo a escrever, saio fora de meu normal, viro uma outra pessoa, sem muito controle sobre meu senso crítico e acabo destilando verdades que bem poderiam ficar guardadas dentro de mim até o túmulo.
Ufa!
Pra quem ia escrever só uma bobagem qualquer até que eu já me estendi muito.
Agora chega!