quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Velho

Hoje concluí que estou mesmo ficando velho:
começo a não encontrar mais lugar nesse mundo.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

De como e porque

Minha poesia
nasce do escuro
da noite,
do silêncio da dor
sem ais.
Nasce do peito explodido
que mil estilhaços
atirou pela janela
velha do quarto.
Sai chamando Drummond
pelos campos,
pelas ruas
e amando mulheres:
uma por mês.
Minha poesia desalentada,
sem adorno
nem alegria,
poesia sem nada
pra dizer tudo
com um grito abafado pelo pranto
que chora desditas
de vidas sobrevividas
mundo afora
mundo adentro.
Nasce do ventre,
da entranha
em direção à Lua,
ao mar e à alma tua.
Minha poesia
nasce caótica,
sem prumo,
qual tiro no escuro.
Em cima do muro,
como se eu fosse puro.
Sai sangrando,
expondo
na ânsia de ocultar,
hemorragia de desejos
mutilados.
Sai vomitando desilusões,
dizendo que a vida,
que a vida é não.
Porque a vida é
a negação diuturna da morte,
que se vive resignadamente.
Depois minha poesia volta cansada
e recolhe-se em mim,
amedrontada
diante do tamanho da obra.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Eleições

Assistindo ontem à estréia do programa eleitoral gratuito fiquei penalizado. Sim, fiquei com pena de ter que votar em apenas um candidato dentre os que disputam a presidência. Afinal, são todos tão inteligentes, aparecem tão bem maquiados e tão bem intencionados na TV que dá dó ter que desprezar qualquer um deles.

Cada qual mostrando a sua trajetória de vida, nascidos em famílias humildes, batalharam muito para conquistar estudo e posição na vida.

E o que dizer da militância deles? Meu Deus! São currículos de fazer inveja a São Francisco de Assis, tamanha a sua dedicação aos pobres e desvalidos da sociedade, sua luta por um país mais justo, com melhores condições de vida para todos os brasileiros.

Assistindo ao programa eleitoral dá mesmo pra se ter a nítida impressão de que todos, sem exceção, nasceram predestinados a ser presidente (ou presidenta) da nossa amada e idolatrada república.

Não há um deles que não apareça beijando criancinhas pobres, abraçando velhos moribundos ou comendo um pastelzinho no mercadão popular. A gente fica mesmo emocionado de ver como o futuro do nosso país está assegurado com tanta gente boa assim querendo governá-lo.

E os discursos. Memoráveis!

“Vamos melhorar a saúde, investir na educação dos nossos jovens, reajustar o salário mínimo acima da inflação, acabar com os pedágios, reduzir os impostos, melhorar a segurança pública etc...etc...etc.”

Dos três candidatos rotulados pela mídia como “principais”, dois tiveram seus partidos por oito anos à frente da presidência, sendo que ambos foram ministros em seus respectivos governos. Ou seja, tiveram participação ativa. Dessa experiência toda nasceu a cansativa cantilena do “nós fizemos isso, eles deixaram de fazer aquilo”.

Nos telejornais da TV aberta, tenho acompanhado matérias que esboçam um interessante raio-x do Brasil, como é típico nessas épocas eleitorais. Vou ressaltar aqui o que me restou na memória da enxurrada de informações que as emissoras despejaram em minha mente:

· 53% é a carga de tributos que está embutida no preço da gasolina;

· 44% dos municípios de Goiás não têm sequer uma unidade de pronto atendimento de saúde;

· O governo brasileiro arrecadou em julho/2010 o montante de 67,973 bilhões de reais;

· O mesmo governo aplica em saúde menos de 2% do PIB.

Resta agora algum dos(as) nobres candidatos(as) colocar de vez as cartas na mesa sobre seus planos para erradicar definitivamente um mal que envergonha o Brasil perante o mundo inteiro: a carga tributária que rouba o cidadão de bem e deposita nas mãos de milhares de administradores desonestos ou incompetentes o seu suado dinheiro.

Teremos que descobrir, entre esses sorrisinhos e essas juras de boas intenções, qual deles está mesmo disposto a realizar as mudanças estruturais que nosso país necessita para alcançar desenvolvimento com um mínimo de justiça social.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Oração

Bondoso Criador do Universo,
a quem os meus irmãos homens dão variados nomes
e tratam com maiúsculos pronomes,
quero hoje dirigir-vos uma prece, a mais singela:

Desta multiplicidade de facetas que se sucedem para compor meu eu
Concede-me a ventura de vencer a confusão interna e encontrar-me
verdadeira e profundamente com a minha essência.
E acima de tudo fazer dessa essência atividade e luz
que preencham o cotidiano das pessoas que comigo partilham a existência.

Oh, magnífico Criador e Mantenedor deste gigantesco universo de vidas, sons e cores,
que me criastes tão pleno de potencialidades,
Peço-vos nesta prece apenas a sabedoria para bem viver
e arrancar a minha existência do pântano odioso da inércia,
posicionando-me como ator no grande concerto dos seres.

Que eu possa ferir o mundo com a minha presença
por todos os dias em que eu respirar sobre a face da terra.

Assim seja!

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Deserto de Desespero e Vida

Há em mim um desespero aterrador
de quem quer viver a existência toda
em apenas um momento e experimentar
todas as vidas que cabem numa vida.

Desejo espantado de fugir dessa mediocridade
que reduz o homem a apenas homem.
Teias cotidianas prendem-me ao não-lugar da existência
e vou vendo a minha vida passar bem aqui ao meu lado.
A vida que a minha mente constrói compulsivamente
e que agarra a minha garganta com força.

Vida a me perguntar a todo instante: "Para onde vais?"
Eu digo que vou longe, fantasio mil estações e paragens,
mas meus pés me recusam o primeiro passo e dizem:
"Permaneçamos aqui, onde é mais seguro."

Aqui, dentro de mim, percorro distâncias muito maiores
em terrenos bem mais acidentados,
Em completa escuridão, às vezes.

Eu não quero o mais seguro. O mais seguro é morto.
O morto está lá, sete palmos abaixo da terra,
protegido do sol, da chuva, da geada e do granizo,
da gripe e da diarréia, do amor e do ódio,
e de todos os riscos da existência,
porque ele não existe: é morto.

Ele só precisa ser morto e perpetuar a sua não-existência
por todos os séculos, para que ninguém o veja, para que ninguém o ame
e assim ele não corra nenhum risco em sua paz eterna e inútil.

O que eu vou querer com a paz? Não tenho parte com ela,
dentro de mim há um territótio de guerra constante,
minas e canhões a desconstruir diuturnamente o eu
que se esforçam para construir de mim, de fora para dentro.

Dentro de mim há vulcões se revezando em erupções initerruptas,
há raios e tornados a varrer o espírito tíbio que habita esse corpo torto.
Espírito que tenta, em vão, rasgar a veste epidérmica e bradar ao mundo
a verdade mais profunda e mais poética de si.

Não! Não há voz que caiba tamanho grito.
Não há em todo o universo outra mente que penetre a minha
e possa apaziguar tão impetuoso impulso de dizer aquilo que
jamais foi dito por medo, vergonha ou simples cautela.

Não existe, em parte alguma do Universo, outro ser criado
capaz de olhar-me nos olhos nesse instante e dizer: "Acalma-te."
A calma que você vê em meus gestos é mentira,
essa paciência com a vida e suas vicissitudes, é mentira,
essa doçura em lidar com tudo é apenas aparente.

Essa credulidade que você supõe em mim, é mentira!
Essa firmeza de princípios, é mentira!
Não creia em minhas palavras, não aposte em minhas crenças,
não se deixe seduzir pelos meus conceitos.

Antes, mergulhe em mim, atravesse-me
como quem enfrenta uma tempestade de areia,
arrisque-se à beira de um de meus muitos vulcões,
Desafie-se a penetrar o deserto longo e tórrido que é minh'alma.

E então, quando tivermos sobrevivido e encontrarmos
um oásis em que possamos descansar algumas horas - não mais,
então diga com um pouco menos de segurança: "Conheço um pouco de ti."



domingo, 1 de agosto de 2010

Crônica do Amor

"Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo a porta.

O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.

Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referenciais.

Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.

Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.

Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco.

Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no
ódio vocês combinam. Então?

Então, que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.

Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele não tem a
menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não consegue despachá-lo.

Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita na boca, adora animais e escreve poemas. Por que você ama
este cara?

Não pergunte pra mim; você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor.

É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura
por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível.

Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor?

Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.

Não funciona assim.

Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o Amor tem de indefinível.

Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó!

Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é! Pense nisso. Pedir é a maneira mais eficaz de merecer. É a contingência maior de quem precisa."

Texto de Arnaldo Jabor, extraído do site www.pensador.info