sábado, 11 de junho de 2022

Casa Vazia

O dia finda e um sol sem graça e exausto se deixa devorar pelo horizonte.

Honradamente retorno à casa que igualmente me devorará, não menos afadigado.
Giro a chave da porta, repetindo o gesto autômato de todas as tardes.
Adentro respeitosamente o imóvel que deveria abrigar um lar, mas onde
desde alguns anos somente reside a minha solidão.
A sala reserva-me o não-beijo apaixonado da esposa.
Lá do fundo do quintal me vem o absurdo silêncio da não-voz
dos filhos amados chamando de papai.
Seus não-abraços poupam-me – de uma forma que eu não desejaria –
os ossos já envelhecendo e as carnes, cansadas da lida do dia.
Olho em derredor. Tudo inalterado. Tudo exatamente disposto
tal como eu deixara pela manhã ao sair. Nenhuma intervenção,
sequer um objeto arredado do lugar onde foi posto por mim há séculos.
Sinal inequívoco de que absolutamente ninguém mexe na minha casa
nem na minha vida desde um tempo que nem consigo mais mensurar.
Atiro-me ao sofá desconfortável. No braço do móvel, o controle remoto da TV
se insinua para mim, como última chance de interação no deserto cáustico que
secou-me o coração e frequentemente molha-me o rosto.
Emprego esforço íntimo para não recorrer a ele, enquanto meu pensamento
realiza a pergunta tão reincidente: “Como, por Deus, cheguei aqui?”
Emerge à memória um sorriso apaixonante, um beijo quente,
um sexo vigoroso que, no passado, faziam-me sonhar uma família.
Uma mão que enrugasse pouco a pouco com os dedos entrelaçados aos meus,
nos intervalos em que construiríamos, tijolo a tijolo, uma vida em comum,
plena dos acertos e desacertos de todos os amantes numa longa jornada.
Rendo-me ao controle remoto como para refugiar a mente
num circo que dissipe as lembranças.
Em uma fração de segundos, a tela mágica começa a exibir personagens
que conversam entre si, ignorando dolorosamente a minha condição.
O cérebro abstrai e nem me dou conta de que vou percorrendo as teclas
à procura de um não-sei-que, sem objetivo ou critério algum.
Entediado, dou as costas à tv, castigando-a com a mesma punição de que sou vítima:
a de falar às paredes imaginando que tenho alguma importância ou utilidade, ao menos.
Decido-me a iniciar o ritual: chuveiro, refeição, cama. E esperar mais um dia igual a tantos,
nessa rotina insana à qual me condenei por um veredito impronunciado.