sexta-feira, 23 de julho de 2010

Cony

Acabo de assistir na TV a um programa sobre a vida e a obra de Carlos Heitor Cony, um escritor de quem eu gosto muito não só pelo que dele já li, mas também por sua história de vida.
Na realidade, minha relação com Cony é um tanto controversa. Meu primeiro contato com ele foi por meio de seus artigos na Folha de São Paulo, quando eu ainda era seminarista. Já frade franciscano, li "A Casa do Poeta Trágico", livro que me encantou e do qual, para minha surpresa, na entrevista de hoje ele disse que não gosta.
Mas a minha mais grata surpresa com o Cony foi "Informação ao Crucificado" em que ele faz praticamente uma auto-biografia de seus tempos de seminarista. Minha identidade com a sua experiência fez-me saborear cada sílaba do livro como se eu estivesse vivendo junto com o personagem aquele dia-a-dia cheio de dramas íntimos, histórias pitorescas e personagens estarrecedoramente reais.
Claro que àquela época eu já sabia que o Cony havia estudado em seminário católico. Aliás, era isso que me fazia permanecer atento a tudo que rodeava seu mundo: um documentário, uma entrevista, uma homenagem. Qualquer coisa que me ajudasse a enxergar melhor aquele homem que, assim como eu, houvera passado por uma experiência marcante de vida eclesial e que, também assim como eu, deixara a Igreja. E mais uma coincidência: assim como eu, inclinara-se à literatura.
"Informação ao Crucificado", lido quando também eu já havia abandonado a Igreja, apaziguou essa sede que eu tinha de desvelar o Cony seminarista. E eu gostei muito do que li, em muitos momentos me identifiquei, emocionei-me e ri também.
E também confrontei a minha vivência com a dele, guardadas as devidas proporções, leia-se: a distância no tempo, as normas do seminário em sua poca - bem mais rígidas que em meus dias - e, obviamente, Carlos Heitor Cony é quem é. Eu sou um ilustre anônimo. Disso tudo, resta uma comparação fundamental: Cony ignora Deus, é um ateu lúcido e inexorável, enquanto eu, ainda que nos meus auges de crise com a doutrina católica, jamais descri de Deus.
Bem, como eu disse no início, minha relação com o Cony é controversa. Explico-me: malgrado toda admiração que nutro por ele, as tentativas de contato foram frustradas.
À época em que li A Casa do Poeta Trágico, mandei extensa correspondência para ele, elogiando o livro e, claro, fazendo uma sutil propaganda de minhas pueris atividades literárias. Na ocasião, como eu nem sabia teclar num computador e internet pra mim era assunto de futuristas, consegui o endereço da redação da Folha de São Paulo e enviei pra lá, devidamente endereçada a ele. Jamais recebi qualquer resposta, numa época em que eu romanticamente achava que um escritor consagrado pudesse dar atenção à correspondência de um aprendiz de poeta de uma cidade do interior.
Ao terminar de ler Informação ao Crucificado, ainda mais motivado e já um sobrevivente no ciberespaço, descobri um site do escritor. No site, um endereço de email que parecia levar diretamente a ele minhas palavras. Muitas palavras e uma propaganda já nem tão sutil e carente de modéstia. Novamente o silêncio. Nunca houve uma resposta.
Até hoje me pergunto: porque raios uma pessoa pública cria um site e divulga nele um email de contato se ela jamais responde às palavras amáveis de um admirador, sobretudo um admirador-discípulo?
Já falei com uma pessoa que o conhece pessoalmente e que me garantiu que ele é mesmo inalcançável, que é um tanto arrogante e deliberadamente solitário. Como diriam no seminário, um legítimo anti-social.
Ora acredito que isso seja verdade, ora duvido... No fundo, não me importa.
O que importa mesmo são as sensações que a sua literatura já me proporcionou.

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