quinta-feira, 13 de maio de 2010

Sozinho

Edifício de solidão
construido com zelo,
tijolo a tijolo.

Palavras caladas
dentro do coração.
Pensamentos tolos
sem expressão.

Mesmo diante da negativa constante
de um outro alguém em seu espaço,
pouco a pouco vai baixando a guarda
como quem vê a velhice chegar
e o espelho criar rugas, dizer rabugices.

Agora quase quer um amor.
Não! Amor nessa altura já não vem...
Talvez simples companhia discreta
pra tomar uma sopa nos dias frios.

Alguém que ouça seus queixumes
com um sorriso no rosto.
E ao menos diga: "não se preocupe".
Ou talvez: "posso te ajudar?"

Quem suportaria suas manias?
Quem se animaria a fazer presença
na vida que toda a vida foi só ausência?
Nada de filhos, nenhuma grande paixão
ou aventura pra narrar.

Nenhum grande feito em todos aqueles anos.
Apenas um par de chinelos se arrastando pela casa
e intermináveis xícaras de chá na frente da TV.
Sem histórias pra contar. Pior: pra lembrar.

Pra contar se pode inventar alguma.
Mas quando a cabeça pousa no travesseiro
vazia de recordações significativas
não há fantasia que preencha os anos vividos sem vida.

Quase deseja uma companhia.
Ainda que seja para um carteado monótono
ou para usar mais uma xícara,
à espera do sono cada dia mais escasso.

Ainda que seja para que a morte
Não se sinta constrangida de chegar
e não subraí-lo de ninguém.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Humberto

- Alguém aqui o conhecia? - pergunta o delegado depois de examinar o magro cadáver esticado entre tambores de lixo.
Silêncio...
- Vamos, pessoal! Nome? Idade? Familiares!? Será possível que ninguém aqui sabe nada a respeito dessa pobre criatura?
Quando está prestes a se irritar com a multidão que se aglomera, trânsito que vai ficando cada vez mais lento e o silêncio das bocas famintas dos moradores de rua, o homem grave ouve uma voz rouca quase que por cima de seu ombro:
- Humberto.
- Hein!? - Vira-se para ouvir melhor ao mesmo tempo em que passa pela cabeça que logo logo estará usando aparelho de surdez, feito seu velho pai.
- O nome dele era Humberto, tadinho! - Repete a dona daquela voz quase sumida no ruído da cidade, uma senhorinha maltrapilha com somente um dente inferior, vestida em trapinhos imundos.
- Humberto de quê?
- Ah, isso eu num sei não, dotô! Até teve um dia, logo anssim que ele chegou aqui, que me mostrou os dicumentu... Mas eu num sei lê, né...
- Bom, então temos uma pista. Ele tem documentos. Onde é que ficam guardados? Nos bolsos não tem nada...
Enquanto diz isso, o delegado meneia a cabeça em sinal a um dos investigadores que o acompanham, como que ordenando que vasculhasse a área.
- Tem mais dicumento não, dotô! - retorna a velhinha. Tem mais de ano que os nóia cataram as coisas dele. É só a ropinha do corpo, mesmo. Que nem nóis tudo aqui.
- Que droga!
- Só uns fuminho...nada além disso, dotô. Crack, mesmo, ele nunca quis porvá!
O delegado se volta para a velhinha desdentada, começando a bater os braços para esbravejar algo, mas desiste diante de tão decrépita figura.
- Faz muito tempo que ele vivia aqui?
- Tem pra mais de ano e meio, dotô.
- A senhora conversava muito com ele? Sabe se ele tinha família? Amigos?
- Ué... ele sempre falou que a mãe dele era viva, que chamava... Rosa e que tinha casa e tudo... Mas nunca apareceu ninguém aqui.
- Rosa... Humberto... Vai marcando aí, Macedo.
Macedo, um investigador esguio, óculos na ponta do nariz, empunha um bloquinho de anotações na mão esquerda. Com a mão direita saca da orelha uma esferográfica e, com uma expressão absolutamente descrente, começa a anotar as informaçoes de mais um das dezenas de cadáveres que ele está acostumado a fotografar e catalogar todos os meses.

Nome: Humberto...?
Idade: + ou - 23
Mãe: Rosa...?
Residência: Morador de rua.

- Ele tinha alguma companheira? Pergunta do investigador.
- Só aquela ali, ó. Afirma a velhinha, enquanto aponta uma cadelinha magrela sentada próxima ao corpo.
- Bem... acho que ela não vai ajudar muito...

Estado civil: solteiro.
Causa da morte: cinco tiros, sendo dois na cabeça, um no abdômem e dois no braço direito.
Local do crime: Praça da Paz, s/n.
Quando escreve "Praça da Paz", o investigador pára, olha para a pracinha toda salpicada de lixo, com gramado suplicando água e uma meia dúzia de bancos de cimento quebrados. Meneia a cabeça e sussurra um "tsic".
O delegado, agachado, examina mais detalhadamente o cadáver e pensa em silêncio:
"Esse rosto... estranho... não é um rosto de morador de rua. Os traços são muito delicados."
Aproxima-se, então um jovem em trajes tão maltrapilhos quanto os dos demais moradores de rua ali presentes. Ao ver o corpo magro caído de bruçus, ele imediatamente reconhece a vítima e derrama lágrimas silenciosas.
- Meu Deus! Tadinho do Beto! Quem foi que fez isso, doutor? Pelo amor de Deus, me diga: quem foi que fez essa barbaridade?
- Estamos tentando descobrir, meu filho... estamos tentando. - diz o delegado, despertado de suas indagações pela voz chorosa do jovem.
- Ele era um coitado, doutor! Nunca fez mal a ninguém. Vivia ajudando a gente aqui.
- Você o conhecia bem? O que sabe sobre ele?
- Bom, eu chamava ele de Beto. Mas o nome dele era Humberto...Arantes, se não me engano. Fazia pouco mais de um ano e meio que ele veio pra cá. A gente ficou muito amigo.
- E ele falava da família? Pai, mãe...? Tinha algum endereço?
- Ele disse que morava no Morumbi, que a família era bem de vida. Depois que o pai morreu, a coisa desandou, apareceram outros herdeiros. A mãe dele, uma tal de dona Rosa, descobriu que o marido sempre teve outra família e parece que pirou. Acabou internada em sanatório. Parece que os irmãos bastardos tomaram conta da empresa do pai dele e botaram ele pra correr. Ele perambulou por vários viadutos de São Paulo até vir parar aqui. Depois que veio pra cá, a história é igualzinha à de qualquer um de nós: vieram as drogas, um assaltozinho aqui, outro ali pra se sustentar e comprar um baseado...
Delegado e investigador ouvem atentamente o relato do amigo que chora.
- Aí, o senhor sabe como é, né... A gente acaba arranjando uma treta aqui, uma treta ali... Mais cedo ou mais tarde acaba assim.
- E com quem é que o nosso amigo tinha treta?
- .....
- P...Q...P...!!! Esbraveja o delegado, suado, cansado, olhando todos os maltrapilhos à sua volta saírem cabisbaixos. Ninguém vai me dar uma pista!?
Segura então o braço do jovem depoente, tentando impedí-lo de seguir os demais.
- Quem é que fez essa cagada aqui!? Quem tinha motivos pra matar um moleque que só ajudava os outros e fumava um baseadinho de vez em quando!!?
- Sei não, doutor, sei não.
O delegado solta o braço do rapaz, que sai devagarinho com o rosto banhado em lágrimas.
Em poucos instantes a cena do crime só tem o cadáver, o delegado e três investigadores. Os moradores de rua se foram, os transeuntes vão e vem na sua rotina invisível.
O cinza desgastado da viatura se confunde com o concreto armado de uma construção que se ergue atrás da praça.
Aproxima-se a sirene trêmula de uma funerária. Ela encosta bem próxima ao cadáver de Humberto. Descem dois homens com luvas nas mãos. Eles olham em silêncio para o delegado por alguns segundos.
O homem da lei sussurra, enquanto enxuga o suor da testa:
- Pode recolher. É indigente.
- Mas, doutor, ele foi assassinado e...
- É indigente, eu já disse.
O delegado entra na viatura acompanhado de seus investigadores e saem em disparada, de volta ao plantão policial.
Longe dali, num hospital psiquiátrico, uma jovem senhora passa por um interrogatório médico:
- Sim, eu tenho um filho. Ele é lindo e vai ser médico um dia, assim como o senhor! Ele se chama Humberto! Já imaginou? Doutor Humberto Arantes!!!

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Letícia!!!


Puxa vida! Cometi um erro terrível no texto que publiquei a dois minutos atrás.
Em meio a tantas coisas desagradáveis, há um acontecimento magnífico: o nascimento de minha sobrinha Letícia. Foi o maior de todos os acontecimentos nos últimos anos em minha família.
E como se não bastasse, ela se tornou minha afilhada no domingo, quando a batizamos na Igreja de São Judas Tadeu, aqui em Franca, minha cidade.
Letícia, no latim, quer dizer "alegria". E é isso que eu imagino que chegou junto com ela, uma alegria permanente para minha família.
Em meu orkut tem fotos dela, inclusive algumas são do batizado.

Uma bobagem qualquer

Me bateu uma crise de consciência hoje, ao acessar meu blog e ver que desde dezembro passado eu não postava nada de novo. "Que ridículo, um poeta que passa meses sem escrever nada, nem uma linha sequer!" foi o que passou pela minha cabeça.
Mas, como de fato eu ando absolutamente desanimado de escrever, tão imerso que estou em meus problemas cotidianos, eu sabia muito bem que qualquer tentativa de escrever hoje terminaria num monte de bobagens.
Pois bem: vamos escrever uma bobagem qualquer para ficar registrada aqui.
Oh, semaninha cruel essa que está se encerrando! Meu Timão caiu fora da libertadores, com Gornaldo e Cia, minha vida financeira continua o mesmo desastre dos últimos trê anos - no mínimo - e meu candidato a presidente da república simplesmente não é mais candidato.
Bom pelo menos recebi uma simpática resposta do gabinete do Ciro Gomes à manifestação de descontentamento que postei em seu site quando o PSB decidiu enterrar de vez a campanha presidencial de 2010.
Continuo tentando vender meu velho carro. Depois de baixar o preço por três vezes, estou quase convencido a dá-lo de presente a alguém. Mesmo assim, tenho receio de que ele seja recusado.
Agora, se tem uma coisa que está indo bem é meu namoro.
A Rita e eu estamos muito afinados e nos amamos de verdade. Isso me deixa muito feliz e faz os demais problemas diminuírem muito de importância.
Além do mais, nada melhor que um dia depois do outro. Sei que isso é um chavão, mas é bem apropriado ao momento que estou vivendo e me consola um pouco. Sei que ainda haverei de viver dias mais agradáveis.
Tenho que trabalhar para isso, é verdade.
E uma das maneiras mais prazerosas de trabalhar, no meu caso, é escrevendo. Preciso urgentemente redescobrir o prazer de escrever, como eu já fiz outrora. Houve um tempo em que eu escrevia compulsivamente.
Tenho, inclusive a idéia de um livro, um romance. Mas cultivo um certo receio em relação a isso. E explico: a história que eu tenho em mente passa-se em um ambiente eclesiástico, inspirada nos anos que vivi como seminarista, nos bastidores da Igreja. Como eu sou muito crítico e tenho uma certa munição, receio apimentar demais a história e criar uma polêmica que eu não quereria criar.
Ocorre que, quando eu começo a escrever, saio fora de meu normal, viro uma outra pessoa, sem muito controle sobre meu senso crítico e acabo destilando verdades que bem poderiam ficar guardadas dentro de mim até o túmulo.
Ufa!
Pra quem ia escrever só uma bobagem qualquer até que eu já me estendi muito.
Agora chega!