segunda-feira, 5 de junho de 2023

Visita de domingo

 Sujeito que à minha porta bate,

envolto em andrajos encardidos.

Peito arfante encharcado de esperança.

Pele ressequida pelo sol inclemente.


No estômago vazio, a acidez da expectativa.

Acumula horas (talvez dias) de funda fome.

Pernas vacilantes, ombros pensos, boca seca.

Diante dos meus muros, apequenado em sua miséria,

aguarda que uma voz suave surja do interfone.


Adiando afazeres frugais de um domingo outonal,

examino o monitor, retiro o fone do gancho,

ensaiando, para cada possível solicitação,

uma resposta impessoal, fria e repelente.


"Senhor, teria algo pra eu comer?"

"Senhor, um pão amanhecido, que seja?"

"Senhor, tem recicláveis?"

"Senhor, um copo d'água, por favor?"


Vergonhosa é a rapidez com que,

escudado pelo aparelho eletrônico, livro-me dele.

Livrando-me, assim, da melhor chance

que o domingo me ofereceu para ser bom e útil.


Muito mais que muros, cercas e câmeras,

O que nos separa é um "não sei quê".

Algo que minha palavra não explica,

que minha inteligência não examina,

que minha consciência insiste em anestesiar.


Enfim, ele se vai, um tanto mais abatido,

encontrar-se com o próximo interfone, sonhando piedade.


Mergulho novamente em meu domingo classe-média.

Quando, enfim, chega a noite, dirijo até o templo espírita.

Lá, vou pregar o Evangelho.