quarta-feira, 28 de julho de 2010

Memórias

Recomecei a ler "Informação ao Crucificado" do Cony, que eu lera em 1999. Impressionante como a narrativa da vida no seminário passada nos anos 40 carregue sensações tão próximas às que eu vivi às portas do século XXI.
Não sei porque ainda hoje sonho reiteradas vezes que estou de volta ao seminário. Sonhos quase sempre passados em uma construção antiga, com corredores e clautros muito semelhantes aos do Noviciado de Rodeio, em SC. Invariavelmente estou rodeado de colegas e a conclusão a que chego é sempre a mesma: "O que é que eu estou fazendo aqui novamente? Faz tanto tempo que eu fui embora!"
Algumas vezes vejo-me paramentado para celebrar a missa. às vezes só, às vezes na companhia de outros padres.
Quando seminarista eu cultivava costume semelhante ao do personagem-narrador de "Informação ao Crucificado", João Falcão. Escrevia num diário o meu cotidiano, minhas percepções acerca da vida religiosa, minhas dores íntimas, frustrações e alegrias.
Na realidade, comecei a escrever bem antes de ingressar no seminário. Tinha já uns cinco ou seis cadernos de anotações.
Vez ou outra eu dava uma espiada em uma data que correspondesse em dia e mês de anos anteriores. Por exemplo: se tivesse hoje meus cadernos em mãos, iria verificar o que eu escrevera num dia 28 de Julho passado. Às vezes pesquisava a mesma data em dois, três ou mesmo quatro anos diferentes.
Foi isso que começou a me deixar entediado: comecei a notar que minhas crises eram cíclicas, os problemas e angústias haviam se transformado num círculo vicioso em minha vida. Um dia notei que, com 27 anos, eu sofria as mesmas dores, tinha as mesmas inseguranças e frustrações de minha adolescência. Fiquei estarrecido e muito depressivo.
Não tardou muito a que eu me decidisse a queimar tudo aquilo, numa decisão de exorcizar meu passado e romper com aquela ciranda.
De certa forma, funcionou. Mas, como escritor, não posso negar que tenho certo arrependimento por ter colocado fim a tantas memórias.
Hoje imagino que eu poderia ter alcançando progresso sem necessariamente o ritual da queima dos cadernos. Paciência, está feito.
Queimados os meus cadernos de memória, resta-me saborear as de Carlos Heitor Cony.

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