segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Minutos de Vida

Durante alguns minutos eternos,
pousei o olhar sobre os desenhos
curiosos do meu cobertor.

As paredes opacas do quarto
desejaram desabar sobre meu corpo
por que não pendurei nelas
nenhum quadro ou fotografia

Eu bem queria ter pendurado
um espelho daqueles de corpo inteiro.
Mas concluí que não suportaria
olhar-me morrendo dia após dia.

Algumas rugas nascendo,
uns indícios de cabelos brancos
e a constatação dolorida de que
estou vendendo meus anos bem barato.

Essa vida não é senão um morrer cotidiano,
lento e gradual, civilizado e heroico.
Um morrer lento e irreversível.

Onde o amor, onde o viço de outrora?
Cadê os sonhos, os ideais?
O vento voluptuoso da paixão, quando findou?

Que dor imbecil essa, de não poder girar
ao contrário a roda do tempo.
Meu rosto de moço era liso
e as lágrimas que nele escorriam
tinham razões tão tolas!

domingo, 21 de abril de 2013

SEPARAÇÃO


Certo dia chegará
em que, tateando as paredes nuas
da sombria mansarda do em que vives,
tua mão não se deparará mais com a minha.

Um calafrio inédito percorrerá teu corpo
ao te dares conta de que não estarei sempre ali,
conforme houvera te prometido tantas vezes,
quando eu inda cria que seríamos um do outro pelos séculos.

As pontas dos teus dedos finos
procurarão desesperadamente enlaçar-se nos meus,
que terão se ausentado definitivamente.
E ficarás perdida nos labirintos que criastes para si.

Nesta hora, se te sobrar um lampejo de lucidez,
refletirás e concluirás que, em verdade, jamais estivemos juntos,
embora andássemos em paralelo.
Sempre estivemos distantes, por opção de um de nós, que não eu.

E perceberás que, pouco a pouco, fizestes escolhas.
E que estas escolhas é que me privaram da tua vida.
E nos colocaram falando palavras dóceis,
de costas um para o outro.

Eu estarei longe, nesta hora.
Provavelmente chorando a desdita
de ter estacionado a minha vida
aguardando que me alcançasses pelo caminho.

Estarei apavorado, por certo, como estou agora.
Pois terei tomado consciência
de que o amor que a ti me manteve ligado
era canção de uma nota só, melancólica e lúgubre.

Não mais pedirei que me ames.
Tampouco que compreendas meu amor.
Pois um amor que necessita ser compreendido,
não merece ser vivido.

Deste dia em diante
saberás continuas sozinha
e que eu continuo sozinho.
Como sempre estivemos, em verdade.

domingo, 17 de março de 2013

O velho agricultor



No sopé de uma montanha íngreme, um velho agricultor cultivava com dificuldade uma pequenina propriedade rural. Com pouquíssimos recursos materiais e minguadas forças para o duro trabalho do campo, só podia contar com o jovem filho e um cavalo, animal forte e bom de arado.
Num amanhecer em que a neblina densa confundia a vista, o pobre sitiante levantou-se para a lida. Mas, quando foi buscar seu cavalo no pasto, notou que a porteira do sítio ficara aberta durante a noite e o animal fugira.
Cabisbaixo e pensativo, ele voltava para casa quando, um sitiante vizinho, observando apoiado na cerca de arame, começou a dizer:
- Puxa vida! Que desgraça foi lhe ocorrer, meu vizinho! Percebo que teu animal fugiu e não terás agora como cultivar a terra adequadamente. Lamentável!
O pobre sitiante redarguiu, serenamente:
- Bem, meu caro vizinho, pode ser uma desgraça ou não... Só o tempo irá dizer, nada de desespero.
Dizendo isso, recolheu-se à sua casa e foi avisar a esposa e o filho do acontecido, sem maiores lamentações, posto que era um homem muito confiante e centrado, não obstante sua pouca cultura.
Por três dias o velho agricultor e seu filho realizaram todas as suas tarefas com o mesmo empenho de sempre, sem poder contar com o cavalo que desaparecera. Em nenhum momento lamentaram ou desanimaram da lida, embora seus corpos estivessem moídos pelo esforço dobrado.
Depois desse período, em que a porteira do sítio permanecera aberta, amanheceram ele, a esposa e o filho, ouvindo ruídos e relinchos diversos dentro dos limites do sítio, bem próximo ao quintal da casinha simples que habitavam.
Ao abir a porta do casebre, perceberam que o cavalo retornara para a propriedade, acompanhado de mais cinco animais robustos, selvagens, certamente oriundos das matas por onde andara.
O agricultor e seu filho rapidamente improvisaram um estábulo, onde prenderam os cavalos e lhes deram água e comida.
O vizinho do sítio ao lado não tardou a bisbilhotar o que se passava ali e, surpreso com a tropa de que dispunha o, até então, pobre sitiante. E foi logo gabando:
- Minha nossa, mas que sorte tens, meu bom vizinho! Não só recuperaste teu cavalo, mas agora tens mais cinco deles. E ainda mais novos e mais robustos! Poderás até mesmo ficar com apenas mais um ou dois e vender os outros por boa quantia em dinheiro e comprar maquinários modernos para a lavoura. Assim irás enriquecer!
Ponderado e discreto, respondeu o pobre agricultor:
- Pode ser sorte ou desgraça, meu estimado vizinho. Só o tempo irá dizer.
Na tarde do mesmo dia, seu jovem filho começou a montar os cavalos selvagens, afim de adestrá-los para a lida. Sem isso, não passariam de animais brutos, que poderiam até causar danos à propriedade e não serviriam ao trabalho exigente da lavoura.
Cada montaria que o moço fazia era perigosíssima, pois os animais não aceitavam ser domados e reagiam com furor, pulando, empinando e relinchando muito. Bem no finalzinho da tarde, aconteceu um acidente. Um cavalo derrubou ao chão o filho do sitiante e pisou sua perna com violência, fraturando-a em dois pontos.
O vizinho falastrão, que assistia à doma dos anmais, logo levou às mãos à cabeça, como se ele mesmo fora acometido de imensa dor pelas fraturas do jovem. Bradou:
- Meu Deus! Que desdita veio agora a te atingir, meu amigo! É chegada a época do plantio e teu filho ficará longas semanas acamado, sem poder ajudar-te nas tarefas do sítio. De que adianta teres uma tropa dos melhores e mais dóceis cavalos, se não tens teu filho para conduzi-los e tuas poucas forças de velho não te ajudam? Sem dúvida, estais desgraçado! Não poderás plantar a lavoura e, sendo assim, não terás colheita!
Enquanto socorria seu filho e tratava de imobilizar a perna fraturada, com serenidade e sem nenhum traço de desespero, o idoso respondeu educadamente ao seu intrometido vizinho:
- Posso estar desgraçado ou não, bom amigo. Vamos aguardar os acontecimentos e cuidar da perna do garoto. Tudo se ajeitará, tenho certeza.
E assim recolheram-se para o casebre, onde o filho passaria dias sofrendo com muitas dores e afastado do trabalho.
Durante o período de recuperação lenta do jovem, o país em que viviam entrou em guerra contra uma nação distante. Todos os jovens da sua faixa etária foram alistados ao exército compulsoriamente. Os generais ordenaram que se visitassem cada canto do país e arrancassem os jovens de suas famílias para irem à refrega, defenderem os interesses da nação na guerra, que prometia ser longa e penosa.
Quando os responsáveis pelo alistamento visitaram a região em que o jovem agricultor vivia, ele foi poupado, posto que não houvesse possibilidade sequer de caminhar com a perna fraturada. De maneira alguma seria útil no front. Os filhos do vizinho, no entanto, que eram três jovens sadios e fortes foram todos arrastados pela onda bélica.
Não tendo mais os filhos para cuidar da propriedade enquanto ele mesmo cuidava da vida dos vizinhos, não mais teve tempo de se ocupar da vida alheia.
A guerra foi mesmo longa e sangrenta. Inúmeros navios haviam partido do país, lotados com os jovens soldados, muitos dos quais jamais retornariam.
O jovem agricultor, ainda acamado, todas as tardes acompanhava os noticiários por meio de um singelo radio a pilha, junto com seus pais. A cada tarde, ouvia notícias terríveis de mais e mais baixas nas tropas de seu país.
E todos os dias se colocavam em oração. Pediam a Deus pelo fim do confronto, suplicavam  socorro espiritual às centenas de moços que desencarnavam pelejando pela nação e não deixavam de agradecer por aquele incidente que prostrara o jovem por semanas, poupando-o do conflito e possivelmente da morte.

A grande lição desta parábola, que não é de minha autoria, mas que ouvi há tempos e da qual desconheço o autor, é que devemos ter sempre serenidade, resignação e paciência diante de todos os acontecimentos da vida, sejam eles alegres ou tristes, positivos ou aparentemente negativos. Pois aquilo que à primeira vista pode ser um mal sem remédio, pode ser a salvação de uma situação verdadeiramente trágica. Enquanto que aquilo que pode nos parecer a maior alegria de toda uma existência pode acabar nos provocando danos dificílimos de ser reparados, seja moralmente, moralmente ou à nossa integridade física.
Dizia Paulo Apóstolo: “Todas as coisas cooperam para o bem dos que amam a Deus” e “Em tudo dai graças”