quinta-feira, 29 de julho de 2010

Urgências

Sexta-feira, cai a tarde.
Um sem número de palavras
enferrujando em minha mente
e eu preocupado com as contas a pagar.

Essa vida custa-me tantos sacrifícios.
Quantos versos natimortos assim que o telefone toca!
Tantas inspirações perdidas, em meio às iminências
do homem inflexível em que me venho transformando.

Quedo-me vencido.
Mão posta ao queixo, a mente viajando
no universo de mil sílabas que já não se juntam
para simplesmente dizer, ao final, o meu não-dizer.

Ia escrever sobre o amor ou sobre outras sentimentalidades.
A mão, subitamente deixa o teclado e corre ao bolso vazio.
Lembrança intermitente - e irritante - de compromissos próximos.
Pronto, está perdido o verso.

Adiemos o amor e coloquemos comida no prato.
Suspendamos temporariamente o sentimentalismo
e tratemos de encher a geladeira.
Afinal, chegou o fim do mês e o salário ficou lá para trás.

Mas a vida tem urgências pouco poéticas.

Evoluir Sempre

Evoluir sempre, se cessar, sejam quais forem as circunstâncias.
Olho através da janela do escritório nessa manhã e penso nessa necessidade de evolução.
A árvore que balança as suas folhas ao vento, não sabe que está evoluindo.
Será que ao volante dos carros que passam na rua, os motoristas sabem que estão evoluindo?

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Pai




















Um abismo aparentemente infinito
vem engolindo nossa relação.
Um silêncio hostil nos mantêm frios
dentro da casa que parece cada dia menor.

Sei que o amo, nunca duvidei disso.
Difícil entretanto, encontrar esse amor
sob os escombros resultantes das tempestades
que fizeram chover mágoas torrenciais
sob o edifício frágil da minha tolerância.

Inúmeros pequenos gestos teus me irritam.
Olhares cheios de significados
que a boca sabe-se completamente
dispensada de pronunciar
ferem-me a susceptibilidade.

Não consigo mais caminhar em sua direção.
E quanto mais cabelos brancos vejo em sua cabeça,
tanto mais se multiplicam meus medos.
Porque a vida segue inexorável roteiro
em que as energias minguam até se exaurirem.

Um dia os velhos se vão
e deixam seus jovens para trás
afim de que eles carreguem as alegrias de suas lembranças
e os remorsos de suas atitudes indignas.
Até que se tornem velhos também eles.

E agradeçam por ter que deles se lembre com algum carinho.

Memórias

Recomecei a ler "Informação ao Crucificado" do Cony, que eu lera em 1999. Impressionante como a narrativa da vida no seminário passada nos anos 40 carregue sensações tão próximas às que eu vivi às portas do século XXI.
Não sei porque ainda hoje sonho reiteradas vezes que estou de volta ao seminário. Sonhos quase sempre passados em uma construção antiga, com corredores e clautros muito semelhantes aos do Noviciado de Rodeio, em SC. Invariavelmente estou rodeado de colegas e a conclusão a que chego é sempre a mesma: "O que é que eu estou fazendo aqui novamente? Faz tanto tempo que eu fui embora!"
Algumas vezes vejo-me paramentado para celebrar a missa. às vezes só, às vezes na companhia de outros padres.
Quando seminarista eu cultivava costume semelhante ao do personagem-narrador de "Informação ao Crucificado", João Falcão. Escrevia num diário o meu cotidiano, minhas percepções acerca da vida religiosa, minhas dores íntimas, frustrações e alegrias.
Na realidade, comecei a escrever bem antes de ingressar no seminário. Tinha já uns cinco ou seis cadernos de anotações.
Vez ou outra eu dava uma espiada em uma data que correspondesse em dia e mês de anos anteriores. Por exemplo: se tivesse hoje meus cadernos em mãos, iria verificar o que eu escrevera num dia 28 de Julho passado. Às vezes pesquisava a mesma data em dois, três ou mesmo quatro anos diferentes.
Foi isso que começou a me deixar entediado: comecei a notar que minhas crises eram cíclicas, os problemas e angústias haviam se transformado num círculo vicioso em minha vida. Um dia notei que, com 27 anos, eu sofria as mesmas dores, tinha as mesmas inseguranças e frustrações de minha adolescência. Fiquei estarrecido e muito depressivo.
Não tardou muito a que eu me decidisse a queimar tudo aquilo, numa decisão de exorcizar meu passado e romper com aquela ciranda.
De certa forma, funcionou. Mas, como escritor, não posso negar que tenho certo arrependimento por ter colocado fim a tantas memórias.
Hoje imagino que eu poderia ter alcançando progresso sem necessariamente o ritual da queima dos cadernos. Paciência, está feito.
Queimados os meus cadernos de memória, resta-me saborear as de Carlos Heitor Cony.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Cony

Acabo de assistir na TV a um programa sobre a vida e a obra de Carlos Heitor Cony, um escritor de quem eu gosto muito não só pelo que dele já li, mas também por sua história de vida.
Na realidade, minha relação com Cony é um tanto controversa. Meu primeiro contato com ele foi por meio de seus artigos na Folha de São Paulo, quando eu ainda era seminarista. Já frade franciscano, li "A Casa do Poeta Trágico", livro que me encantou e do qual, para minha surpresa, na entrevista de hoje ele disse que não gosta.
Mas a minha mais grata surpresa com o Cony foi "Informação ao Crucificado" em que ele faz praticamente uma auto-biografia de seus tempos de seminarista. Minha identidade com a sua experiência fez-me saborear cada sílaba do livro como se eu estivesse vivendo junto com o personagem aquele dia-a-dia cheio de dramas íntimos, histórias pitorescas e personagens estarrecedoramente reais.
Claro que àquela época eu já sabia que o Cony havia estudado em seminário católico. Aliás, era isso que me fazia permanecer atento a tudo que rodeava seu mundo: um documentário, uma entrevista, uma homenagem. Qualquer coisa que me ajudasse a enxergar melhor aquele homem que, assim como eu, houvera passado por uma experiência marcante de vida eclesial e que, também assim como eu, deixara a Igreja. E mais uma coincidência: assim como eu, inclinara-se à literatura.
"Informação ao Crucificado", lido quando também eu já havia abandonado a Igreja, apaziguou essa sede que eu tinha de desvelar o Cony seminarista. E eu gostei muito do que li, em muitos momentos me identifiquei, emocionei-me e ri também.
E também confrontei a minha vivência com a dele, guardadas as devidas proporções, leia-se: a distância no tempo, as normas do seminário em sua poca - bem mais rígidas que em meus dias - e, obviamente, Carlos Heitor Cony é quem é. Eu sou um ilustre anônimo. Disso tudo, resta uma comparação fundamental: Cony ignora Deus, é um ateu lúcido e inexorável, enquanto eu, ainda que nos meus auges de crise com a doutrina católica, jamais descri de Deus.
Bem, como eu disse no início, minha relação com o Cony é controversa. Explico-me: malgrado toda admiração que nutro por ele, as tentativas de contato foram frustradas.
À época em que li A Casa do Poeta Trágico, mandei extensa correspondência para ele, elogiando o livro e, claro, fazendo uma sutil propaganda de minhas pueris atividades literárias. Na ocasião, como eu nem sabia teclar num computador e internet pra mim era assunto de futuristas, consegui o endereço da redação da Folha de São Paulo e enviei pra lá, devidamente endereçada a ele. Jamais recebi qualquer resposta, numa época em que eu romanticamente achava que um escritor consagrado pudesse dar atenção à correspondência de um aprendiz de poeta de uma cidade do interior.
Ao terminar de ler Informação ao Crucificado, ainda mais motivado e já um sobrevivente no ciberespaço, descobri um site do escritor. No site, um endereço de email que parecia levar diretamente a ele minhas palavras. Muitas palavras e uma propaganda já nem tão sutil e carente de modéstia. Novamente o silêncio. Nunca houve uma resposta.
Até hoje me pergunto: porque raios uma pessoa pública cria um site e divulga nele um email de contato se ela jamais responde às palavras amáveis de um admirador, sobretudo um admirador-discípulo?
Já falei com uma pessoa que o conhece pessoalmente e que me garantiu que ele é mesmo inalcançável, que é um tanto arrogante e deliberadamente solitário. Como diriam no seminário, um legítimo anti-social.
Ora acredito que isso seja verdade, ora duvido... No fundo, não me importa.
O que importa mesmo são as sensações que a sua literatura já me proporcionou.