terça-feira, 3 de agosto de 2010

Deserto de Desespero e Vida

Há em mim um desespero aterrador
de quem quer viver a existência toda
em apenas um momento e experimentar
todas as vidas que cabem numa vida.

Desejo espantado de fugir dessa mediocridade
que reduz o homem a apenas homem.
Teias cotidianas prendem-me ao não-lugar da existência
e vou vendo a minha vida passar bem aqui ao meu lado.
A vida que a minha mente constrói compulsivamente
e que agarra a minha garganta com força.

Vida a me perguntar a todo instante: "Para onde vais?"
Eu digo que vou longe, fantasio mil estações e paragens,
mas meus pés me recusam o primeiro passo e dizem:
"Permaneçamos aqui, onde é mais seguro."

Aqui, dentro de mim, percorro distâncias muito maiores
em terrenos bem mais acidentados,
Em completa escuridão, às vezes.

Eu não quero o mais seguro. O mais seguro é morto.
O morto está lá, sete palmos abaixo da terra,
protegido do sol, da chuva, da geada e do granizo,
da gripe e da diarréia, do amor e do ódio,
e de todos os riscos da existência,
porque ele não existe: é morto.

Ele só precisa ser morto e perpetuar a sua não-existência
por todos os séculos, para que ninguém o veja, para que ninguém o ame
e assim ele não corra nenhum risco em sua paz eterna e inútil.

O que eu vou querer com a paz? Não tenho parte com ela,
dentro de mim há um territótio de guerra constante,
minas e canhões a desconstruir diuturnamente o eu
que se esforçam para construir de mim, de fora para dentro.

Dentro de mim há vulcões se revezando em erupções initerruptas,
há raios e tornados a varrer o espírito tíbio que habita esse corpo torto.
Espírito que tenta, em vão, rasgar a veste epidérmica e bradar ao mundo
a verdade mais profunda e mais poética de si.

Não! Não há voz que caiba tamanho grito.
Não há em todo o universo outra mente que penetre a minha
e possa apaziguar tão impetuoso impulso de dizer aquilo que
jamais foi dito por medo, vergonha ou simples cautela.

Não existe, em parte alguma do Universo, outro ser criado
capaz de olhar-me nos olhos nesse instante e dizer: "Acalma-te."
A calma que você vê em meus gestos é mentira,
essa paciência com a vida e suas vicissitudes, é mentira,
essa doçura em lidar com tudo é apenas aparente.

Essa credulidade que você supõe em mim, é mentira!
Essa firmeza de princípios, é mentira!
Não creia em minhas palavras, não aposte em minhas crenças,
não se deixe seduzir pelos meus conceitos.

Antes, mergulhe em mim, atravesse-me
como quem enfrenta uma tempestade de areia,
arrisque-se à beira de um de meus muitos vulcões,
Desafie-se a penetrar o deserto longo e tórrido que é minh'alma.

E então, quando tivermos sobrevivido e encontrarmos
um oásis em que possamos descansar algumas horas - não mais,
então diga com um pouco menos de segurança: "Conheço um pouco de ti."



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