segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Surpresa

Eu pensei que nada mais sentiria,
que em nada mais pensaria
quando descessem sobre meu corpo frio
a tampa definitiva do caixão.

Mas não foi assim, não.

Eu senti mais, muito mais
que a solidão úmida da casa,
que o cheiro nojento do último jardim,
tão morto quanto eu.

E pensei mais, infinitamente mais,
que a nulidade do meu futuro,
que a impotência dos planos
e a esterilidade dos sonhos.

Senti a vontade desenfreada
de tudo o que permitira que me negassem,
a eclosão insólita (e já inútil) da vida,
o imã de tudo quanto ficou de fora
da minha estreita casa de madeira.

Senti a dolorosa ausência
das mulheres que não amei,
dos carinhos que não ofereci,
das pessoas que não fiz felizes.

Tive vontade dos abraços que não dei,
de molhar as bocas que não beijei,
e oferecer as carícias que recusei,
e receber aquelas das quais me esquivei.

Pensei nas palavras que não falei,
nas canções que não compus,
nos poemas que não escrevi,
nos caminhos que não percorri,
nos amigos que não fiz.

Pensei então que fosse chorar
junto com as lágrimas que pingavam
sobre o telhado impermeável da nova casa.

Mas meus olhos, esbugalhados de espanto,
vidrados da morte irrefutável,
haviam secado para sempre.

Fui parar no purgatório,
pagar o preço da vida que não vivi.

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