Aproxima-se
o réveillon.
Um
dezembro meio calado afivela suas malas já com certa pressa. Dentro delas, bem
acomodadas, todas as lembranças e histórias, alegrias e tristezas, benesses e
agruras dos últimos trezentos e sessenta e tantos dias.
O
ano de número dois mil e doze, que há aproximadamente trezentos e sessenta e poucos
dias nós esperávamos com ansiedade e expectativa, agora vai saindo de cena,
cansado, surrado, por alguns até amaldiçoado.
E
nós? Como nós ficamos?
Simples:
nós ficamos aqui, preparando os caminhos para um outro ano, jurando uns aos
outros e tentando nos convencer a nós mesmos de que será um ano maravilhoso,
repleto daqueles votos que repetimos incansavelmente durante os intermináveis
abraços e apertos de mão que distribuímos entre o dia de Natal e o trinta e um
de dezembro. Muita paz, saúde, prosperidade, dinheiro no bolso etc. ... Tenho a
sensação de que cada um de nós, ao repetir a cantilena de votos de um novo ano
melhor, na verdade, intimamente ficamos tentando nos convencer de que, por
alguma mágica maluca, a mudança do calendário por si só há de melhorar o mundo
e as pessoas – desde que eu mesmo não esteja incluído nesse grupo que necessita
de melhoria, afinal, são os outros que têm que melhorar para tornar minha vida
mais palatável.
De
minha parte, mesmo antes de desenvolver o hábito de refletir mais profundamente
sobre a vida, eu já nutria certa desconfiança em relação a essa crença de que
mudando o número do calendário, há uma chance excepcional de que tudo a minha
volta se transforme para melhor e que a vida passe a sorrir mais para mim.
Esse
texto mereceria aqui um parênteses para falar do talento e das teses dos numerólogos,
tarólogos, astrólogos e mais alguns “ólogos” que defendem suas teses sobre
influência dos números ou dos astros ou seja lá o que for sobre o nosso destino.
Mas, confesso duas inconveniências: primeiro, que, na tentativa de explicar
tais teses, esse parênteses ficaria longo demais; segundo, que eu não creio nem
um pouquinho nessas teorias. E, como o texto é meu, posso me conceder a
prerrogativa de não dar espaço ao que eu não creio. Mesmo sob pena de alguns
dos meus leitores se sentirem ofendidos em suas crenças e abandonarem aqui a
leitura.
O
âmago da questão – não vou mais fazer rodeios – é que, ano após ano, temos a sensação
de que tudo à nossa volta se repete, remetendo-nos à velha máxima contida no
capítulo um do Livro do Eclesiastes: “O
que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se fará; de modo que não
há nada de novo debaixo do sol”.
Qualquer
um que deseje constatar modernamente esse estado de coisas, poderá fazê-lo
facilmente realizando uma pesquisa sobre os arquivos de noticiários de anos
anteriores, hoje facilmente encontrados numa rápida busca pela internet. Encontrará
lá textos, áudios ou vídeos que praticamente, dezembro após dezembro, se
repetem sobre violência, acidentes de trânsito, corrupção, desastres naturais,
crises nos mais diversos setores da administração pública, impostos, custo de
vida, crescimento econômico etc.
Quer
um exemplo de notícia que a cada ano está na pauta dos noticiários, com as
mesmas palavras? Aí está: “Bancos anunciam lucros recordes no ano de....” Pode
preencher com o ano que desejar e você não estará mentindo. E nós, imensa
maioria de brasileiros – os que não pertencemos à classe A – nos indignamos ao lembrar
o quão minguado é nosso ganho, quantas taxas pagamos para manter nossas contas
bancárias e quão pesados juros pagamos a esse sistema bancário para
conseguirmos comprar uma casa ou um carrinho novo. Nessa hora, amaldiçoamos os
ricos banqueiros, fazemos votos de nunca mais financiar nada. Os mais radicais
prometem-se a si mesmos fechar a conta no banco e isso e aquilo... Promessas,
nada mais. No ano seguinte, estaremos ouvindo a mesma notícia, com a mesma
indignação e fazendo as mesmas promessas.
Esse
exemplo do lucro dos bancos é apenas para ilustrar o fato de que em tudo nas
nossas vidas, entra ano e sai ano, fazemos promessas de mudanças, votos de
transformação e vamos repetindo à exaustão um modelo de vida e um corpo de
crenças e ideologias que nos mantém atrelados a nossos pequenos vícios, às
pequeninas imperfeições e preguiças que, somados, travam nosso progresso
pessoal e assim esmaece o brilho dos votos que nos fazemos uns aos outros sob os
fogos de infinitas noites de réveillon.
Portanto,
o que nós precisamos, mais do que um novo calendário, é de novas atitudes. Mais
do que promessas regadas a champanhe e sopa de lentilhas, necessitamos é de uma
decisão firme e coerente em prol da nossa transformação pessoal, da qual
nascerá a transformação da sociedade.
Podem
vir 2013, 2014, 2015. Se esses novos números nos encontrarem refratários às
mudanças, hábeis apenas em pronunciar belos – e estéreis – presságios aos
outros, o país nunca será aquele que sonhamos.
Por
isso, eu desejo a você que está lendo esse texto, não saúde ou prosperidade, ou
dinheiro no bolso. Desejo a você, atitude.
Desejo
a você que pare de olhar para o calendário e volte os seus olhos para o seu
interior, num profundo e sério exame de consciência, a fim de detectar onde
está a necessidade de transformação para que você passe a ser tudo aquilo de
bom que deseja aos outros, seja em janeiro, fevereiro ou setembro, seja que ano
for.
FELIZ TRANSFORMAÇÃO!