quarta-feira, 18 de setembro de 2024
MORREREMOS
terça-feira, 10 de setembro de 2024
ENTRE O RISO E O CHORO
Entre o riso e o choro
cabe todo o universo.
Cabem cinquenta mil tons
de emoções, gozos e dores.
Entre o riso e o choro
cabe a ternura do berço;
cabe a angústia do esquife.
Entre o riso e o choro
cabem as acnes do adolescente;
cabem as rugas do idoso.
Entre o riso e o choro
cabe a festa das núpcias;
cabe a audiência do divórcio.
Entre o riso e o choro
cabem os vigorosos goles da cachaça;
cabem os amargos remédios da cirrose.
Entre o riso e o choro
cabem os amorosos conselhos dos pais;
cabem as inconsequências da teimosia dos filhos.
Entre o riso e o choro
cabem os abraços dos amigos;
cabem as porradas dos inimigos.
Entre o riso e o choro
cabem os amores aconchegantes e sóbrios;
cabem as aventuras tórridas e loucas.
Entre o riso e o choro
cabem as orientações do professor;
cabem as broncas homéricas do chefe.
Entre o riso e o choro
cabem todas as nossas incoerências;
cabem todas as nossas lógicas.
Entre o riso e o choro
cabem as noites de farra;
cabem os dias de luta.
Entre o riso e o choro
agem as mãos alvissareiras do obstetra;
agem as mãos funestas do legista.
Entre o riso e o choro
cabe a meiguice da prece;
cabe a aspereza do palavrão.
Entre o riso e o choro
cabe o enlevo do beijo;
cabe a secura do tapa.
Entre o riso e o choro
cabe a primavera de um "eu te amo";
cabe o outono de um "desapareça da minha frente".
Entre o riso e o choro
cabem os sinos da fé contrita;
cabe a inflexão do ateísmo declarado.
Entre o riso e o choro
cabem o lar e o boteco;
cabem a igreja e o meretrício;
cabem a ordem e a anarquia;
cabem o grito e o silêncio;
cabem a dor e o prazer;
cabem o tesão e a impotência.
Entre o riso e o choro
cabem o eterno e o finito;
cabem a sabedoria e a estupidez;
cabem a poesia e a prosa;
cabem o sagrado e o profano.
Enfim...
Entre o riso e o choro
cabe a esperança de TUDO,
tanto quanto o abismo do NADA.
segunda-feira, 5 de junho de 2023
Visita de domingo
Sujeito que à minha porta bate,
envolto em andrajos encardidos.
Peito arfante encharcado de esperança.
Pele ressequida pelo sol inclemente.
No estômago vazio, a acidez da expectativa.
Acumula horas (talvez dias) de funda fome.
Pernas vacilantes, ombros pensos, boca seca.
Diante dos meus muros, apequenado em sua miséria,
aguarda que uma voz suave surja do interfone.
Adiando afazeres frugais de um domingo outonal,
examino o monitor, retiro o fone do gancho,
ensaiando, para cada possível solicitação,
uma resposta impessoal, fria e repelente.
"Senhor, teria algo pra eu comer?"
"Senhor, um pão amanhecido, que seja?"
"Senhor, tem recicláveis?"
"Senhor, um copo d'água, por favor?"
Vergonhosa é a rapidez com que,
escudado pelo aparelho eletrônico, livro-me dele.
Livrando-me, assim, da melhor chance
que o domingo me ofereceu para ser bom e útil.
Muito mais que muros, cercas e câmeras,
O que nos separa é um "não sei quê".
Algo que minha palavra não explica,
que minha inteligência não examina,
que minha consciência insiste em anestesiar.
Enfim, ele se vai, um tanto mais abatido,
encontrar-se com o próximo interfone, sonhando piedade.
Mergulho novamente em meu domingo classe-média.
Quando, enfim, chega a noite, dirijo até o templo espírita.
Lá, vou pregar o Evangelho.
sábado, 11 de junho de 2022
Casa Vazia
O dia finda e um sol sem graça e exausto se deixa devorar pelo horizonte.