Eu hoje fugi de
casa, em meio à ventania.
O vento
desalinhou meus cabelos lisos,
mas eu botei
minha boina por cima
da bagunça da
minha cabeça.
O sol fez arder
meus olhos
e eu botei meus
óculos escuros
para esconder
sua irritação.
Vim escrever no
meio do pasto.
Aqui, ao menos,
há vida.
Há a vida velada
no estrume que, pouco a pouco,
vira adubo e
nutre a erva.
Faz tempo que
saí daqui,
peito estufado,
cabeça erguida,
certo de que o
mundo estava doente
e que eu podia
salvá-lo.
Hoje volto
enfermo
de um mal que
parece incurável.
Quando o médico
era eu,
Passei algumas
vezes por estes campos
sem atinar de
olhar para o pasto.
Mas cuspi nele
pela janela do carro.
Sequer olhei
pelo retrovisor
no intuito de
ver onde se assentava a poeira fina
que se erguia à
minha rápida passagem.
Mas tenho
certeza de que pousava sobre a pastagem.
Na verdade,
naquele tempo eu
já havia fugido
de casa.
Só não conhecia
bem a força do vento.
E o sol parecia
não arder tanto aos olhos.
Na fuga
percorri muitos lugares.
Cruzei ruas e
avenidas imensas.
Deparei-me com
diversos olhares
e ouvi centenas
de vozes que, eu sei,
permanecem
dentro de mim, gravadas.
Vi corpos
sensuais em gestos lascivos
na voluptuosidade
das cidades em que perambulei.
Inúmeras vezes,
fiquei insone à noite.
E o vento
finalmente começou a incomodar,
bagunçando-me a
cabeça e os cabelos.
E eu pequei.
desgraçadamente,
pequei de forma incompleta, porque o fiz só.
Se ao menos eu
tivesse pecado por inteiro...
Se tivesse
pecado muito bem acompanhado, haveria um quê de prazer.
E o remorso
seria menos doloroso.
O inferno seria
mais brando,
esta secura
teria, aqui e acolá, gotas de esperança.
Eu agora veria
essa pastagem com outros olhos
e o vento e o
sol não castigariam tanto.
Talvez eu nem
fugisse mais de casa.
Mas o pecado se
multiplica no mundo
graças a homens
como eu,
que se julgam
santos demais e que, ao tropeçarem,
deixam à mostra
toda a sua hipocrisia.
Meu epitáfio
seja:
“Aqui jaz um
desgraçado
que um dia fugiu
de casa
e perdeu-se na
ventania”.
E rezem os que
ainda me amarem
afim de que eu
me torne
ao menos um
montinho de estrume.